CAPITULO 4

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Já é fim de tarde, eu e Gwen dirigimos até nosso lugar favorito. Um prédio que fica na Washington Street, ele foi desativado depois que meu pai realocou a clinica na quinta avenida. Um ponto bem mais movimentado que aqui. Já ouvi rumores que eles não pretendem mexer nesse prédio, a intenção deles, futuramente é transforma-lo em uma clinica publica pras pessoas que não tem condições de pagar um psicologo. A ideia é incrível, devo admitir, problema é que coisas assim é muito burocrático e, provavelmente, irá demorar pra se concretizar. Porém, enquanto nada é resolvido, usufruo da calmaria com minha melhor amiga, um bom vinho e maconha.

Me lembro perfeitamente o dia que conheci a Gwen. Foi neste prédio, na época que ele funcionava. Meu pai ainda atendia as pessoas, e ela era uma de suas pacientes. No dia que eu a vi, trombamos no corredor e ela estava em prantos, como sou uma boa amiga, a convidei pra fumar comigo, sem nem saber se ela fumava - correndo risco de ser entregue pro meu pai. Ela aceitou de cara e subimos pra sacada, os andares superiores já haviam sido desativados. Ficamos lá sentadas olhando pro dia nublado em silêncio. Depois que a onda da maconha veio, Gwen me olhou no fundo dos meus olhos e contou o que tinha acontecido. Depois disso, nunca mais nos separamos. Eu prometi não deixa-la sozinha. Nunca mais,

Gwen sofreu um trauma forte na infância, quando ela tinha 10 anos, durante uma viagem com os pais pra fazenda dos avós, o sr. Rivera e Gwen estavam cavalgando juntos, quando o cavalo entrou em um estado de fúria e saiu em disparada a uma ribanceira, o primeiro ato de seu pai foi jogá-la para fora do cavalo, o problema foi quando ele foi saltar e seu pé ficou agarrado no estribo. Ele foi arrastado e caiu do penhasco, ele e o cavalo. Tentaram por semanas encontrar o corpo do Sr. Rivera que ficou desaparecido no rio de correnteza que passava por lá, mas ate hoje não encontraram. Ela se culpa pois o pai, naquele dia não queria cavalgar e ela insistiu, e ele ainda salvou a vida dela. Pra mim o mais triste, tudo foi triste na verdade, mas o mais difícil foi o fato da família Riveira nem poder fazer um funeral pois não teve corpo, não teve uma despedida, nada! Hoje, depois de quase dez ano, Gwen ainda sofre alguns traumas, como andar de cavalo, trauma de água, como rio e mar. Ela não faz mais terapia, por achar que isso não ajudou em nada.

8:00 p.m

A pior coisa que inventamos depois de sair do prédio foi caminhar até uma lanchonete de vez ter pedido pelo ifood. Não sei como tivemos força pra dirigir, muito menos sanidade. Misturar álcool e maconha não é algo muito inteligente já que os efeitos colaterais são diferentes, causando um turbilhão de sensações no corpo. Eu mal consigo manter os olhos abertos e Gwen está por um triz de cair no chão. Eu vim dirigindo até a Times Square, pedindo a Deus pra me guiar. Se meu pai me visse assim ele me internaria. Olha que já estive pior. O tintilar da porta do local me despertava sempre que alguém adentrava a lanchonete. 

Estava prestes a abocanhar meu sanduiche quando notei os olhos de Gwen se arregalar, ela não conseguia abrir a boca pra dizer nada então eu me virei pra entender o que tava rolando, quando eu o vi. Minha bile foi e voltou e eu quase morri engasgada. 

— Jade? JADE! RESPIRA PELO AMOR  DE DEUS! - ela pedia quase num sussurro. Chamei atenção de todo lugar, principalmente dele que passou ao nosso lado e parou pra saber se tava tudo bem. Tomei meu refrigerante e fui, aos poucos voltando a normalidade. 

— Talvez o refrigerante não ajude, quer uma água? - ele pergunta preocupado. Quero que você saia daqui. Estranho. 

Esfrego as mãos no rosto e quando levanto o olhar noto que Gwen está roxa tentando não rir da situação constrangedora. Tento, ao máximo não rir mas é impossível. Solto uma gargalhada alta e, como se só faltasse isso pra ela liberar o riso, Gwen desata a rir junto comigo. Abaixo o olhar tentando me controlar mas quanto mais eu me forço a parar menos consigo. Não to achando graça, estou nervosa, apavorada com a presença desse cara. Mas que diabos ele ta fazendo aqui?! 

— Jade, o que você usou?  - sinto o olhar de julgamento pairar sobre mim. Mantenho minha cabeça baixa, respirando fundo pra não dar mais na cara. Quem ele pensa que é? 

— Prazer, Gwen Rivera. - escuto a voz bamba da minha amiga e não aguento. 

Dou-lhe um bicudo em sua canela para que ela cale a boca, a mesma solta um gritinho. Prendo o riso mais uma vez e me forço a levantar a cabeça pra dar a ele uma resposta firme. Levanto meu olhar disfarçadamente sobre meus braços e vejo Zach a cumprimentar, com uma cara não muito boa. Ora ora, meu pai rejuvenesceu e me persegue. Pigarreio, pensando mil vezes antes de dar uma resposta. 

— Oi, Zach. - coloco o rosto entre as mãos como uma criança meiga  — Que coincidência ver você aqui. Quer se sentar com a gente? - gesticulo pra que ele sente ao lado de Gwen. O mesmo não expressa nenhuma reação. Essa foi sua resposta, Jade? Por Deus viu. Ele me olha atento. Ok. — Então, assim, não querendo ser grossa mas já sendo - aprumo o corpo — O que eu faço ou deixo de fazer não é muito da sua conta. - sorrio ironicamente.  Ele assente, visivelmente incomodado. 

— Até quarta. Tenham uma boa noite. - ele diz depois de pegar seu pedido, dando as costas e saindo. 

— Numa escala de 0 a 10, quanto você está fudida? - Gwen pergunta sutilmente. Faço o número dez com as mãos e ela choraminga. 

Sabia que um estrangeiro iria acabar com meu dia. Pela segunda vez. O que mais será que esse dia está preparando para mim? Nossa, uma verdadeira caixinha de surpresas. Muito feliz, uhu! Gratidão pela vida. Entramos no carro, ainda chocadas devido a aparição de Zach. Ligo meu iPod no carro e coloco minha playlist pra descontrair. A voz doce de Gomez ecoa e leva toda tensão embora. Meu celular apita e desvio minha atenção pra ele. Gwen já estava mais sã para dirigir. 

Carter tweetou:
new york estou de volta

A surpresa que eu não queria pro meu dia. Eu não estava preparada para isso. Senti minhas mãos gelarem, meu coração bater 20x mais rápido que o normal e tudo silenciar. Silêncio, um completo silencio. Não pode ser, isso não, de novo não. Meu mundo parece que foi reduzido, ficando cada vez mais apertado e sufocante, não consigo respirar, preciso de ar. 

— Gwen, para o carro! - murmuro, lutando com meus pulmões em busca de oxigênio. — Gwen...

WITH MY FEELINGS ON FIRE GUESS I'M BAD...- desligo a música. — O porra, - ela para ao virar pra mim. — Jade, você ta sem cor, o que aconteceu?

— Para o caro. - ela me olha sem entender — PARA A PORRA DO CARRO - peço e ela freia na hora, sem se importar com quem estava atrás. 

Nem o barulho estridente dos freios dos carros me despertaram do meu transe de ansiedade. Vários carros buzinaram e desviam. Desci do carro correndo e vomitei, tudo que eu comi foi pro asfalto, tudo que estava dentro de mim, ate as tripas. Gwen ligou o pisca alerta e veio correndo em minha direção me segurando por trás. O vomito amargo, se misturou com as lágrimas quentes de desespero. Meus pulmões começaram a  trabalhar em dobro por conta da falta de ar. Ansiedade tomou conta do meu corpo numa fração de segundos. Um filme passava em minha cabeça e eu mal conseguia escutar as coisas ao meu redor. Só acordei quando senti os braços de Gwen me sacolejar e sua voz fina aumentar o volume gradativamente. Ela gritava mas eu permaneci em choque. 

— RESPIRA PORRA! - lanço um olhar para meu celular e ela entende. — Mas...mas -  ela não conseguia terminar. Também foi pega de surpresa. — Ta tudo certo, ele não ousaria tentar entrar em contato com você. Vai ficar tudo bem. Steven é um ótimo mentiroso, nós sabemos disso. - ela solta uma gargalhada cheia de nervosismo. — Entra no carro. Vamos sair daqui. Ta tudo certo. 

Então eu tento, respiro, devagar, fazendo o que ela pede. Volto pra dentro do carro e sinto como se tudo de mais ruim na minha vida estivesse vindo numa excursão para ver minha morte como uma exposição de arte. Ele sabia como me atingir e fez. Talvez seja mentira, mais um joguinho sujo só pra me desestabilizar, manipular minha mente. Ele quer que eu fique louca e vá atrás dele. Mas tudo que eu pensava sobre ele mudou, não há mais paixão, muito menos adjetivos bons para descreve-lo, restou apenas traumas, humilhação, vergonha e medo. 


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