EPÍLOGO

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E a dor acaba, anestesia, no momento em que o sangue para de correr pelas veias [...]

Tenho poucas horas, talvez minutos para detalhar como cheguei ao meu declínio. Dizer como cheguei é fácil, difícil é ter que falar sobre. Quanto mais penso e revivo, mais a dor me consome, as agulhadas da heroína fazem cócegas em comparação ao remorso de ter machucado e arruinado a vida de tantas pessoas.
Acabar com a própria vida é motivo de julgamento mas na altura do campeonato o que esses julgamentos irão interferir na minha decisão? Fui cercada, apontada, julgada e torturada por tanto tempo que os olhares arbitrários em meu funeral não me afetarão mais, pois estarei morta.

Vou levar comigo a auto culpa por ter arruinado, sozinha, minha própria vida. A vida é feita de escolhas e eu fiz as minhas, por isso cheguei onde estou agora. Não chegue até aqui. Faça o que eu nunca soube fazer direito, pensar. Pense antes de fazer qualquer coisa. Se eu tivesse pensado eu não teria me envolvido, eu não teria mentido, eu não teria engravidado, eu não estaria morta.
A única coisa sensata que fiz foi ter trocado meu carro por um monte de drogas e medicamentos. Meu espírito não vai precisar de um carro de luxo pra vagar pela eternidade – o inferno.

Revivendo começo do meu fim. Me libertando de toda dor e angústia com tragadas e agulhadas. Morrendo lentamente da forma mais insana.
O álcool desceu queimando minha garganta enquanto meu corpo bailava, pela última vez, pelo quarto escuro e sujo do Bronx. Quando eu chegar no outro plano lembrarei dessas paredes descascadas e mofadas, do chão empoeirado repleto de pó branco e aspirinas. Armas letais para um final digno.

Minha cabeça gira como um carrossel em velocidade multiplicada. Rápido e mais rápido. É chegada a hora. Hora de pedir perdão e tentar meu lugar ao céu.

— Senhor, perdoe-me pois pequei.

A falta de ar atingiu meus pulmões mas em compensação meu coração entrou em trabalhos rítmicos e acelerados. O amargo do refluxo subiu em minha garganta alertando-me
do fim.

Mãe, me desculpa por todas as vezes que fui ingrata e lhe tratei com ignorância, deveria ter escutado seus conselhos, seguido suas dietas veganas loucas, cuidado mais de mim. Me perdoa pelas noites má dormidas pelos meus sumiços e surtos, espero que Emma seja meu oposto.
Pai, fui tão tola e arrogante, você sempre quis meu bem e eu nunca dei valor a nada que você fizeste por mim. Queria ser pra sempre sua pequena, não ter crescido tão amarga e rebelde, não suportaria ser uma adulta infeliz como sou hoje.
Não queria que meus pais me olhassem em um necrotério, podre e definhada; sei exatamente como eles irão reagir, como eles ficarão durante todo tempo de luto e aceitação mas será melhor assim.
Não consigo pensar na Emma, minha garotinha, tão pequena e inocente, crescerá forte sem um espelho sujo para ela se olhar e se inspirar, minha pequena sereia será pura e doce. Vou olhar por você onde quer que eu esteja.
Pena ser tarde demais para eu pedir perdão a aquela que eu machuquei tanto, Gwen. Minha loira maluca. O que eu lhe causei?! Santo Deus, onde eu estava com a cabeça quando ousei te ferir? Vagabunda egoísta, sou! Desculpe por tanto.

Meu corpo caiu ao chão, minha pele pareceu aumentar sua temperatura para quarentena graus, suei feito uma chaleira. Meu coração saltitou e o pude sentir fora do meu corpo. A boca salivou mas nada dela saiu. Vi o chão estremecer como um terremoto e me apavorei, as janelas presas com tábuas de madeira voavam pelo quarto. Entrei no estado de alucinações. Gritei apavorada mas minha boca não emitiu som.

Zach, obrigada pelas suas tentativas quase triunfantes de me tirar do poço em que me encontro, seus esforços valeram a pena, pena que não se pode ajudar alguém que não consegue mais se reerguer. O poço é fundo demais para que eu possa ver a luz brilhar novamente. Você conseguiu tornar meus dias menos dolorosos mas com isso eu tornei o dia de outras pessoas nebulosos e triste. Eu revivi ao seu lado e enfiei a faca em meu próprio peito, me matei quando optei me curar de forma ilegal e traiçoeira. Você será feliz. Agora você terá menos um problema.

O feixe de luz que brilhava por entre as tábuas presas a janela foi se dissipando, meu corpo chicoteou no chão de forma agonizante até que cessou por fim. Por fim, tudo escureceu, ensurdeci e adormeci.

Senti o meu fim.

O DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora