Prólogo

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"Não existem vitórias eternas

nem derrotas eternas.

Existem derrotas e vitórias,

por isso resistimos!"

Pepe Mujica



— Não pare de correr!

O grito ecoou pela cabeça de Isabel. Assustada, não soube o que fazer, apenas paralisou, vendo a mãe se aproximar com pressa, entre as pessoas que tombavam a cada novo tiro. A menina de apenas dez anos presenciava tudo aquilo, absorta, como se estivesse em câmera lenta. Ao fundo, o exército invadia o acampamento onde residiam há alguns meses. O espaço livre de árvores, com algumas casas por eles construídas, estava tomado de corpos acumulados uns sobre os outros.

Os que fugiam, passavam por ela com rapidez, trombando, quase a derrubando. Os que não conseguiam, vertiam sangue, que escorria dos ferimentos feitos a bala, pela boca, pelos olhos... Em pânico, cobriu os olhos com as mãos.

O solavanco veio quando a mãe lhe alcançou, puxando-a pelo braço, fazendo-a se mover. Isabel a seguiu mata adentro, desviando de árvores e se esgueirando pela vegetação. Os tiros continuavam, acertando troncos e o chão abarrotado de folhas. Por isso, não pararam um segundo sequer. Tinham de continuar para viver.

Cansada e um pouco tonta por causa da correria, a visão de Isabel oscilou. Mas foi o graveto, um pouco maior do que os outros, o responsável por fazê-la cair. O choro, que vinha segurando até então, saiu sem barreiras, livre como há muito não podia.

— Força, minha pequena. Não podemos parar agora — foi levantada pela mãe, que ainda lhe limpou o rosto das lágrimas e folhas que ali grudaram.

Ela sequer esperou que Isabel respondesse. Pegou-a no colo e continuou a andar o mais rápido que pôde. A menina, abraçada ao pescoço da mulher adulta, avistava outras pessoas por ali, rostos conhecidos que, naquele momento, compartilhavam de um só objetivo: fugir.

Os sons de tiros foram diminuindo até não serem mais ouvidos. Com isso, Isabel voltou ao chão, dando mais velocidade para ambas. A menina se sentia melhor, menos preocupada, e até pensou em comentar aquilo com a mãe, dizer que tinham conseguido, estavam salvas. No entanto, ao se virar para ela, viu-a com o rosto marcado pelas lágrimas incontroláveis, apesar de silenciosas. Não se lembrava da última vez que a viu chorar. Na verdade, nem sabia se um dia presenciara tal reação dela. Ainda não estavam seguras?

Alguns passos depois, avistaram um grupo de pessoas. Assim que pararam ao lado delas, a mãe fez várias perguntas, principalmente se tinham notícias dos rebeldes que haviam saído do acampamento mais cedo para enfrentar os militares. A maioria negou, fazendo-a suspirar com pesar. Contudo, viraram-se todos ao mesmo tempo para uma determinada direção ao ouvirem um assobio. Ao longe, entre a mata fechada, uma luz piscava.

Vários sorrisos apareceram e para lá se encaminharam. Atrás de um amontoado de troncos caídos, encontraram os poucos sobreviventes do primeiro grupo. Isabel logo soltou a mão da mãe e correu para o pai, escorado nos restos de uma árvore. Ele abriu os braços para recebê-la, porém emitiu um fraco som de dor quando a filha o tocou. Na hora, ela se afastou, vendo sangue escorrer do braço dele, em grossas gotas que alcançavam o cotovelo.

Sentiu vontade de chorar novamente. Ele ainda repetiu que estava bem e a tocou no rosto quando a primeira lágrima escorreu. A mãe agachou-se ao lado do marido, com uma feição preocupada. Sem dizer nada, passou o outro braço dele pelos ombros e o ajudou a se levantar. O som fraco de antes tornou-se um grito contido.

País Imerso [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora