Aline passou pela porta que a separava do terraço do Complexo e, assim que avistou Beto ali preso, em pé e algemado a duas barras de ferro, uma a cada lado do corpo, fechou-a e se encaminhou até ele, olhando em todas as direções para ter certeza de que estavam sozinhos. O sol da manhã sem nuvens, apesar do dia não muito quente, era intensificado ali por causa do concreto e da falta de sombras.
Conforme se aproximava, os hematomas e ferimentos dele ficavam mais evidentes. A roupa de sempre estava cada vez mais suja e puída, exalando um cheiro desagradável. Ao parar diante de Beto, o olhar vazio que o rebelde lhe lançou fez com que um aperto surgisse no peito. Era por culpa dela que ele se encontrava em tal estado. Ela o capturou.
Beto voltou a abaixar a cabeça e sorriu forçado. Ao encará-la novamente, já havia mais vida em seus olhos, como se fosse, aos poucos, recuperando a sanidade, entendendo o que acontecia ao redor.
— Já te mandaram para me matar?
— Vim pedir sua ajuda — chegou ainda mais perto. — Também sou uma rebelde — revelou, sem tempo para se estender no assunto. — Preciso que você me diga a localização de um acampamento rebelde. Preciso de um teclado com letras.
Ele franziu o cenho, desconfiado. A expressão só suavizou após um longo suspiro.
— Uma infiltrada... — virou a cabeça para os lados, estalando o pescoço. — Não posso dizer que estou surpreso. Mas por que você quer um teclado?
Falando o mais rápido que conseguiu, explicou o que aconteceu com Raul Prestes e que descobriram que as gravações estavam escondidas.
— Desde aquele dia, quando me capturaram depois de me colocarem para fora — contou Beto —, durante a tortura, ficam repetindo que é para eu assumir a culpa da morte desse rapaz — os olhos dele escureceram, como se uma sombra passasse por ali. Aline o viu tremer levemente ao tocar no assunto. Parecia segurar o choro. — Eu não o matei.
— Tenho certeza disso — tocou-o na mão presa à barra de metal. Sentiu a pele grossa, machucada. — Me desculpe por ter te capturado. Não havia outra alternativa. Queria muito te tirar daqui...
— Não direi que está tudo bem — encolheu os ombros. — Mas já aceitei que estou morto. Rebeldes sempre são mortos pelo exército. Comigo não seria diferente.
Um nó se formou na garganta dela. Quis conversar mais, ter mais detalhes da vida rebelde, mas sabia que o seu tempo estava se esgotando. Logo mais alguém apareceria para averiguar a situação dele.
— Não vou te dar a localização do acampamento central de São Paulo — Beto continuou. — Nem dos outros já consolidados. Já faz alguns anos que os rebeldes estão sendo transferidos de acampamentos nômades para outros com muito mais segurança — ela o acompanhava com muita atenção e percebeu quando engoliu em seco. Era difícil para ele revelar aquilo. — Tem uma represa aqui perto, Itupararanga... Há um acampamento ali. Eles não ficam no mesmo lugar, mas percorrem essa região. Só que você será morta se chegar perto deles antes mesmo que consiga dizer que é uma infiltrada.
— O que você sugere então?
Ele apertou os olhos e abaixou a cabeça. Precisou de alguns segundos em silêncio até dizer:
— Me promete uma coisa? — encarou-a. Fez que sim. — Faça com que a informação descoberta pelo Raul chegue às líderes rebeldes. Se o mataram, era importante.
— Farei o possível.
Ele lhe lançou um sorriso triste.
— Então se prepare para invadir um acampamento rebelde, cabo. Vou revelar a localização ao exército. Só... — hesitou e travou o maxilar. — Só os matem, não os capturem. Ninguém merece passar pelo que estou passando. Espero que a verdade que o Raul descobriu faça valer todas essas mortes...
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País Imerso [completo]
Ciencia FicciónLIVRO 1 Sinopse: É durante as madrugadas que Aline é acordada pela mãe para que possa estudar. Escondida, ela aprende a história do país, algo esquecido há tempos pela sociedade analfabeta, e o que levou os militares ao poder. Aconselhada pela mãe...