O domingo começou, e Aline não saiu da cama no horário de costume. Ali permaneceu relembrando tudo o que descobrira na noite anterior. Rolou diversas vezes, implorando para que o sono viesse, e bufou tantas outras ao perceber que o socorro sequer apareceria, condenando-a a pensar sobre o sistema, o meio no qual estava inserida e a função como militar, que realmente começaria no dia seguinte. Na verdade, tinha vontade de sair correndo, levar a família e os amigos, sem olhar para trás, livrando a todos das maldades do governo.
Deixou os devaneios quando Isabel bateu na porta do quarto, entrou e escorou-se ao batente, olhando-a atentamente. Aline sorriu de canto e se levantou, sem real vontade. A mãe andou até ela e apenas a abraçou com carinho. Não trocaram uma palavra, somente continuaram sentindo o calor uma da outra. Uma lágrima teimosa escorreu pela bochecha da menina, e Isabel logo a secou. Beijou o rosto da filha, abriu um largo sorriso e falou baixinho:
— Melhora essa feição — apertou-lhe as bochechas. — As coisas devem continuar como antes, entendeu?
Engoliu em seco e meneou positivamente a cabeça. Isabel saiu do quarto avisando que o café da manhã estava na mesa. Respirou fundo, olhou-se no espelho e sorriu o mais largamente possível. Mas, no instante seguinte, a fisionomia voltou ao desânimo. Respirou fundo e repetiu para si mesma que não poderia permitir que tudo o que sabia transparecesse, deveria continuar fingindo na frente dos outros.
Assim, com esse pensamento em mente, encarou-se com atenção no espelho, vestindo a máscara da ignorância. Foi esvaziando a mente, focando em atitudes práticas, no que precisava fazer. Com isso, trocou o pijama por roupa de ginástica, prendeu os cabelos e desceu para comer alguma coisa. Ao encontrar o pai e Denis à mesa, sorriu para eles por mais que não tivesse vontade. Sentia como se tudo estivesse prestes a desmoronar, mas se via na obrigação de manter a própria estrutura emocional em pé a qualquer custo.
Acomodou-se com a família e se serviu de pão, bolo e leite. Todos conversaram com animação, e logo Leonel perguntou da festa da noite anterior. Como se tivesse sido muito boa e divertida, contou a ele alguns detalhes verídicos e outros mais floreados. Enquanto falava, o beijo lhe veio vívido à mente, o que a fez hesitar no relato. Percebeu quando uma ruga se formou entre as sobrancelhas de Isabel. Pigarreou e inventou um cansaço como motivo de ter vindo embora mais cedo do que o combinado. Fechou os punhos embaixo da mesa, com o ódio de Alexandre lhe queimando por dentro. Se não bastasse tudo o que acontecera, ainda teria de comprar outro celular.
Após a refeição, escovou os dentes e saiu de casa. Parou diante da residência e iniciou uma sessão de alongamentos. Como uma boa militar, precisava manter a forma física, caso contrário seria convidada a servir na parte administrativa. Lembrou-se de Heitor nessa hora e suspirou, frustrada com toda a situação dele.
Terminou o alongamento e começou a caminhar pela calçada, apenas para aquecer. Minutos depois, aumentou a velocidade. Apesar de todo o conflito interior, principalmente por saber de várias coisas e não poder fazer nada, praticar exercícios ajudou a esvaziar a mente. Em nada pensou, só correu por mais de uma hora.
Conforme o corpo gastava a energia, o suor escorria em abundância, flashes da conversa que tivera com Isabel vinham com frequência. Tentou ao máximo evitá-las, chegou até a contar números aleatoriamente para distrair os pensamentos. Só que de nada adiantou. A mãe lhe contava a verdade ao mesmo tempo que via o rebelde ser levado no dia da vacinação. Na execução, quem aparecia diante dos militares, na mira deles, não era ele, e sim Isabel. Ela era uma rebelde!
Tiros e mais tiros. Ouviu cada um deles.
De volta à casa, parou ali em frente com um nó na garganta. Extremamente cansada, com a respiração ofegante, o corpo reclamava do excesso, porém só deu atenção à vontade de chorar, que crescia a cada passo que dava até a porta da sala. Logo que entrou, Isabel a recebeu com uma fisionomia de preocupação sem nada comentar, só a seguiu com o olhar.
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País Imerso [completo]
Science FictionLIVRO 1 Sinopse: É durante as madrugadas que Aline é acordada pela mãe para que possa estudar. Escondida, ela aprende a história do país, algo esquecido há tempos pela sociedade analfabeta, e o que levou os militares ao poder. Aconselhada pela mãe...