Capítulo 6

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O despertar de Aline sequer foi calmo. Acordou de repente ao ouvir um grito, um som que primeiro lhe invadiu o sonho. Depois percebeu que ele não vinha da cena cotidiana que lhe tomava a mente. Com o coração batendo acelerado, quase lhe saindo pela boca, sentou-se e olhou para os lados, assustada. Ainda tentava se localizar e desfazer a nuvem sonolenta que a cercava quando procurou a origem do som, em silêncio. Nos segundos que ficou observando o mundo ao redor, só escutava a respiração da amiga, que dormia na outra cama. Chegou a achar que realmente tinha sonhado com aquilo e até voltou a se deitar. No entanto, o lamento veio de novo, dando a ela a certeza de que não fora imaginação e que algo muito grave estava acontecendo.

Dessa vez, o som não veio isolado, mas sim foi repetido, aumentando de intensidade gradativamente. A voz feminina expressava de tal forma a dor que um arrepio lhe percorreu a espinha. Saindo da cama com pressa, correu até Mônica e a sacudiu. A garota reclamou, fechou a cara e esfregou os olhos. Até tomou ar para perguntar o que estava acontecendo, só que não o fez, pois o mesmo som tomou todo o ambiente. Mais nada foi preciso para Mônica pular da cama e correr quarto afora.

Aline a seguiu. Descalças, apressaram-se pelo corredor. De repente, tudo ficou em silêncio, e a respiração acelerada de ambas parecia mais alta do que de fato era. Aproximaram-se da porta do quarto dos pais de Mônica. Foi nessa hora que Aline hesitou, temendo o que encontrariam ali dentro. A amiga, contudo, continuou e colocou a mão na maçaneta. Viu-a engolir em seco e recitar baixinho que tudo estaria bem.

Assim que abriu a porta, ela paralisou. No segundo seguinte, lágrimas lhe marcavam as bochechas. Aline ameaçou se aproximar quando a amiga se escorou ao batente, como se buscasse apoio, mas não foi rápida o suficiente. Mônica desabou de joelhos no chão, com as mãos no rosto, chorando. Agachou-se ao lado dela e, só naquele instante, olhou para dentro do quarto.

A mãe da amiga também chorava copiosamente, ajoelhada ao lado da cama, segurando com firmeza a mão do marido contra o próprio rosto. Repetia palavras de amor ao mesmo tempo que lamentava a tragédia. Se não fosse o acontecido do dia anterior, talvez ele tivesse mais tempo. O homem, antes com a face um tanto rosada e nariz vermelho por causa da doença, naquele momento era só palidez.

Aline nunca presenciara a morte de perto, e toda aquela dor que preencheu o ambiente lhe atingiu de forma inédita. Pensar que a amiga nunca mais teria a companhia do pai fez com que um enorme vazio lhe tomasse por dentro. Era uma sensação estranha, sem palavras para explicar ou consolar. Nada do que dissesse melhoraria a situação. Por isso, apenas engoliu em seco e acariciou os ombros de Mônica, que soluçava. Sem que procurasse por tais pensamentos, lembrou-se do rebelde. A frase dele ecoou pela mente, e teve que balançar a cabeça para afastar tais lembranças, banir dos pensamentos os ideais de um louco.

Os irmãos de Mônica apareceram logo em seguida. Ficaram estáticos ali na entrada do cômodo com elas por alguns minutos. Apenas as lágrimas desciam, silenciosas. Mônica se colocou em pé por fim, abraçou o irmão caçula e lhe secou o rosto, assim como o próprio. Um longo suspiro a fez engolir o choro. Aprumou a postura e encarou Daniel, o irmão mais velho, que assentiu. Ali Aline soube que o sofrimento chegara ao fim.

O rapaz adentrou o quarto e pegou a mãe pelo braço, ajudando-a a se levantar. Ela abraçou o filho enquanto o ouvia dizer:

— Acabou, mãe. Nada mais pode ser feito.

Mesmo com a postura séria, a voz de Mônica saiu trêmula:

— Ele deveria ter aguentado mais... Se não fosse aquele rebelde...

— Sim — concordou Daniel. — Isso é para ver como ninguém daquela laia presta. Sua função como militar é caçar esse povo e trazer paz para famílias como a nossa.

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