Capítulo 42

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Conheceu Giovana no primeiro dia nos Campos de Alimentos. Assim como ela, também ficou mais para o canto, tímida, sem chamar a atenção. Naquela época, já era alfabetizada e enxergava situações que ainda não compreendia. Por que os outros sequer percebiam o que estava acontecendo? Por isso, ouvia com frequência de Isabel que deveria guardar tudo o que aprendia em segredo.

A presença de Giovana ao lado lhe trouxe acolhimento imediato e, mesmo em silêncio, ali continuou junto dela. Só foram conversar no dia seguinte. Poucas palavras trocadas, mais silêncio entre elas, quebrado apenas pelo compartilhamento do lanche.

A amizade foi ganhando forma com os dias, meses e anos. Uma compreendia a outra, o jeito quieto, a necessidade de estarem juntas, mas cada uma no seu mundo particular de pensamentos.

Deram-se bem desde o começo.

E o silêncio entre elas novamente surgia, só que, dessa vez, Aline era incapaz de escutar qualquer coisa ao redor. Focou a atenção nos olhos verdes de Giovana, que estavam vidrados nela, enquanto a deitava na calçada. Repetiu o nome da amiga sem que pudesse escutar, só movia os lábios. Os olhos dela reagiram, movendo-se, brilhando por causa das lágrimas que escorreram lentamente.

Aline piscou ao ver o choro da amiga e lhe tocou o rosto. Ao fazer isso, a mão veio vermelha, manchando a bochecha de Giovana. O sangue a fez voltar à realidade. Os sons do ambiente a invadiram ao mesmo tempo que olhou melhor para a amiga e viu os ferimentos a bala pelo corpo. Foi sua vez de chorar.

— Aline... — Giovana ergueu a mão para tocá-la, mas perdeu as forças no meio do caminho.

Aline pegou-lhe a mão e a colocou no próprio rosto, pressionando-a ali em meio às lágrimas.

— Não... Você não pode morrer... — encostou a testa na dela. — Por favor...

Afastou-se para encará-la a tempo de ver um fino sorriso. Sentiu-a mexer os dedos em seu rosto.

— Eu... você...

Mais nada saiu. Notou a luz dos olhos dela ir embora como num sobro, levada pelo vento frio que lhe atingiu a face molhada de lágrimas. Voltou a chamar por ela, que agora não reagiu. Sem forças para lidar com a perda, caiu sobre o corpo de Giovana e gritou, frustrada, triste, sem rumo.

Quis desistir de tudo, entregar-se ou até morrer. Acabara de perder uma das pessoas mais importantes de sua vida, alguém que pretendia ter para sempre ao lado.

— Eu falhei com você, me desculpe...

Teria ficado ali se alguém não a tivesse pegado com força pelo braço e a puxado. Mônica a colocou em pé com o pesar lhe dominando a expressão. Sussurrou um "sinto muito" e a teria abraçado se o som de tiros não tivesse aumentado.

Aline olhou Giovana pela última vez, que continuava de olhos abertos, e lhe deu as costas. Precisava continuar por ela e por todas as outras pessoas que envolvera em tudo aquilo. Ali jurou que colocaria um fim no governo militar.

Heitor veio correndo, gritando para que fizessem o mesmo. Havia reforços.

Cada passo dado para longe de Giovana deixava o coração menor dentro do peito. Um nó se formou na garganta e a vontade de chorar voltou. Porém a reprimiu o máximo possível. Repetiu mais uma vez: preciso continuar.

Ao dobrarem uma esquina, sem avisar, ela empoleirou-se no muro de uma casa. Enquanto subia, mandou que os amigos seguissem. Daria um jeito naqueles que os perseguiam. Agindo rápido, Mônica jogou para ela um explosivo. Agradeceu e, em pé em cima do muro, correu para o telhado. Deitou-se com o peito sobre as telhas, em um lugar encoberto pela sombra da própria casa e aguardou. De onde estava, conseguia ver a rua.

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