Capítulo 13

245 47 25
                                    

Giovana limpou o suor do rosto antes de entrar em casa. O corpo doía, precisando de uma noite de sono completa. Apesar de saber disso e tentar relaxar, simplesmente não conseguia se acalmar. No trabalho, nas ruas, em todos os lugares, a única notícia comentada pela população era a de que recrutas no final de treinamento conseguiram capturar um rebelde, que seria levado a interrogatório. Os rostos de Aline e Alexandre apareciam nos telões em cada esquina da cidade, sendo vangloriados pelo feito.

Por mais que entendesse que agora Aline era uma militar, toda aquela imagem em volta dela não parecia real. Questionou-se mais de uma vez se a melhor amiga, única na verdade, estava feliz no exército. Porque sentia que talvez coisas pudessem estar lhe acontecendo. Afinal, ela lhe ensinou a arte proibida de ler e escrever, algo que, se descoberto pelo governo, traria grandes problemas. Suspirou com pesar enquanto abria a porta da sala, preocupada com a exposição de Aline. Nada poderia acontecer a ela, era a pessoa que mais admirava.

Assim que adentrou o cômodo, foi recebida com uma frase entusiasmada do pai, mas não dirigida a ela.

— Vê bem, filho — apontou para a televisão ligada. — Estes dois são os maiores exemplos que você poderia ter na vida. Talvez, a partir de agora, esses rebeldes pensem duas vezes antes de atrapalhar a paz dos cidadãos de bem.

Quando ela se aproximou para ver o noticiário, o qual mostrava novamente as fotos de Aline e Alexandre, ele se deteve ao lhe notar a presença. O tom passou imediatamente para o mais gélido possível, mudando rápido de humor.

— Você está atrasada. O jantar esfriou, e agora vamos ter de esquentá-lo de novo.

— Desculpa... — abaixou a cabeça, gesto que se tornou comum a ela. Só queria entender de onde vinha a irritação constante da família. — Estive assistindo ao noticiário no serviço, nos seguraram um pouco por lá.

— Ao menos, dessa vez, ela esteve fazendo algo mais útil — a voz da mãe surgiu da cozinha. — Venham, já passou da hora de comer.

Todos se sentaram à mesa de jantar. O ambiente tenso só reforçava o desapontamento dos pais por ela não ter entrado para o serviço militar. Ficariam daquele jeito até quando? Ela sabia que o exército nunca fora uma opção, como eles se deixavam iludir de tal forma?

Foi o pai quem cortou o silêncio.

— Então, como eu dizia, Renan, preste muita atenção no que esses dois fizeram. Temos fé que você um dia será tão grandioso quanto eles. Há muito potencial para isso.

O garoto sorria, enquanto ela se sentia diretamente atingida pelas palavras do pai. A comida travou na garganta, e o apetite desapareceu. Estava chegando ao limite, não aguentava mais a convivência com eles.

Fechou os olhos por breves segundos, perguntando-se porque continuava a se ferir com as palavras de toda a família. Eles sempre foram daquele jeito. O melhor que ela poderia fazer era se manter o mais distante deles possível. Mesmo que estivesse em um emprego do qual desgostava, ele lhe oferecia dinheiro. Assim que tivesse o suficiente para ir embora, iria sem olhar para trás. Poderia passar horas e horas sozinha e escrever o que lhe viesse à mente. Se quisesse, poderia até criar uma personagem rebelde, alguém que desestabilizaria todas as estruturas conhecidas. Sorriu sozinha com a própria imaginação.

— É bom saber que ainda há uma chance desta família voltar a ter alguma glória — comentou a mãe orgulhosa e de boca cheia.

A ínfima felicidade se esvaiu. Apesar de os pais ostentaram as patentes militares, tinham sido afastados das missões de campo por causa de acidentes. Tornaram-se impossibilitados fisicamente e designados às funções administrativas do Complexo Militar, o que impedia a ascensão na carreira. Claro que aquilo era uma vergonha para ambos, que colocavam a responsabilidade da volta da família à elite, todas as expectativas, nos ombros do filho mais novo.

A refeição seguiu-se com comentários calorosos a respeito do heroísmo dos recrutas Aline Lemos e Alexandre Guerra, de como o país precisava de mais pessoas como eles e outros elogios pomposos. Giovana terminou de comer em silêncio e saiu da cozinha com a mesma quietude que entrou nela.

Do corredor, conseguiu ouvir a mãe comentando:

— O que há de errado com essa menina? Além de não possuir talento algum, não demonstra nenhum entusiasmo com o quanto este país está melhorando!

— Relaxa, mãe, tenha certeza de que não serei como ela — Renan afirmou convicto.

Já havia chorado muito por causa dos comentários maldosos. Infelizmente, aquela não seria uma exceção. As lágrimas desciam vagarosamente enquanto se trancava no quarto. Sequer se interessava pela prosperidade do país, queria simplesmente pegar o caderno digital e escrever nele, o que lhe proporcionava uma adrenalina estranha, principalmente por ter muitas ideias e precisar colocá-las para fora.

Quando começou a escrever ideias e pequenos textos, soube que precisava escondê-lo em algum local seguro, por isso construiu um compartimento secreto na base de uma das gavetas, dentro do guarda-roupa. Mantinha sempre várias coisas em cima dele para evitar que alguém desconfiasse de que ali era um esconderijo.

Algo de interessante lhe brotava na mente ao mesmo tempo que secava as lágrimas que marcavam o rosto. Há dias vinha acompanhando os noticiários, prestando muita atenção aos jornalistas, que pareciam máquinas engessadas, falando sempre do mesmo modo. Deixando que a imaginação se aflorasse, pensou em como seria um mundo onde um deles mantivesse um telejornal clandestino, e o mais importante: quanto tempo sobreviveria à pressão do governo? Às investigações? Aos militares?

Animada com a própria imaginação, retirou algumas roupas da gaveta e abriu o compartimento em que mantinha o caderno. O bombardeio de ideias lhe trouxe um leve sorriso que logo desapareceu, dando lugar a uma taquicardia, ao sumiço da respiração e a uma leve tontura.

Perdeu o fôlego e começou a tremer ao perceber que as roupas em volta, anteriormente dobradas, estavam remexidas. Ainda revirou tudo por ali, sem encontrar o que buscava.

O caderno desapareceu.

País Imerso [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora