Puxou a faca, o sangue esguichou manchando a roupa de Beto e a face de Mônica. Tomou distância para desferir outro golpe, porém teve o braço segurado por um soldado. Tentou se soltar, mas ele a agarrou mais firmemente. Agindo por impulso, mordeu-o no pulso com toda a força. Ele gritou, e ela sentiu o gosto do sangue na língua.
Ao se ver livre quando ele a soltou, enterrou a lâmina novamente no rebelde, só que com menos equilíbrio dessa vez, já que uma soldado a puxava. Mesmo assim, acertou-o no antebraço ao mesmo tempo que a tiravam de cima dele. A faca ficou na carne do rebelde, mas Mônica logo pegou a outra do cinto e se virou rapidamente para se desvencilhar. Consciente do ato, acertou a garota no rosto, cortando-o, o que a fez cair para trás.
Bufando, encarou o último soldado em pé. O garoto não parecia que a atacaria, estava mais interessado em falar pelo comunicador. Só naquela hora prestou atenção à voz dele, que chegava até ela também pelo aparelho no ouvido. Ele avisava a todos, relatava o que estava acontecendo, pedia um veículo para levar os feridos.
Raivosa, partiu para cima do rapaz, mirando na garganta para lhe calar e degolar, assim como fizeram com Raul. Chegou a se aproximar dele, só que nada fez, pois a atingiram na perna. Foi a vez de Mônica cair para trás. O sangue agora em suas mãos vinha do tiro que recebera na panturrilha. Com a vista embaçada pelas lágrimas de perda, viu Alexandre correr na direção dela com o revólver em riste. Outros dois soldados vinham com ele.
— Que merda você pensa que está fazendo? — parou ao lado dela mantendo-a na mira. Chutou para longe a faca que ela derrubara e se virou para aqueles que o acompanhavam. — Prendam-na!
Fechou os olhos tanto pela dor quanto pela aproximação dos soldados. Quis lutar, impedir que lhe fizessem qualquer coisa, mas se viu impossibilitada. Ali pôde pensar com mais clareza. Nunca quis ferir um aliado, só queria o rebelde para si.
Desarmaram-na e lhe puxaram os braços para colocar as algemas, mas paralisaram ao escutar outra ordem.
— Não façam isso!
Aline corria até eles. Levava o fuzil no ombro e caiu de joelhos ao lado da amiga quando chegou, tocando-a no rosto molhado por lágrimas e com respingos de sangue.
— Você está bem?
O olhar de preocupação dela fez com que Mônica balançasse a cabeça em negativa. Não estava bem e duvidava de que um dia pudesse voltar a estar. Só enxergava Raul morto e sangue, muito sangue. Abaixou os olhos e chorou desenfreadamente, precisando que Aline a abraçasse.
No entanto, sentiu quando a amiga foi tirada de perto dela. Alexandre pegou Aline pelo braço, fazendo-a ficar em pé. A voz dele saiu entredentes, muito baixa. Só escutou porque estava diante de ambos.
— O que você pensa que está fazendo tirando a autoridade de uma ordem minha?
— Sua missão é levar o rebelde de volta — encarou-o séria, usando o mesmo tom que ele. Soltou-se dele e o empurrou. — Faça isso e deixe que desse caso cuido eu.
Alexandre travou o maxilar e passou os olhos por Mônica antes de voltar a Aline.
— Ela nos atacou. E se ela for um deles? — chegou mais perto da líder. — Encontrei um rebelde no caminho para cá. Ele se matou — passou a mão pelo rosto, visivelmente transtornado com o que presenciara. — Ele parecia um cidadão comum.
Aline engoliu em seco e depois franziu o cenho. Por fim, negou com a cabeça.
— Não seja ridículo, Alexandre. Ela acabou de perder o namorado. Você é incapaz de sentir algo em relação a isso? — ele não respondeu e tensionou o maxilar. Aline suspirou e o tocou suavemente na mão. — Por favor, ela não está bem. Deixe que eu cuido disso.
Ele se virou para o lado e soltou uma grande quantidade de ar. Chegou a apertar a mão de Aline antes de lhe dar as costas e ordenar:
— Peguem o rebelde, vamos retornar ao Complexo — parou já mais distantes delas e falou, sem as olhar: — Um carro está vindo nos pegar. Não demore.
Os soldados que vieram com Aline ajudaram os demais com os ferimentos e com o rebelde, que foi algemado, colocado em pé e encaminhado para a saída do parque. Enquanto permaneceram ali, Aline sentou-se ao lado de Mônica e averiguou o ferimento.
— A bala saiu — com a faca que retirou do cinto, cortou a manga da própria camiseta e a usou para estancar o sangramento, amarrando-a na panturrilha da amiga.
Após os primeiros socorros, retirou o comunicador da orelha e fez o mesmo com o de Mônica, que em momento algum relutou.
— Sinto muito pelo Raul.
— Ele morreu... — dizer aquilo em voz alta parecia surreal demais. — Não sei o que fazer agora, Aline. Essa dor é muito forte. Perdi o controle de tudo — afundou os dedos nos cabelos presos em um coque que começava a se desfazer.
Apertou os olhos, e mais lágrimas verteram. Só que logo os abriu, pois ainda via Raul em uma poça de sangue. Quis gritar, fazer a dor desaparecer. Por isso, puxou os cabelos numa tentativa de encobrir a dor interna com outra.
Aline a pegou pelos pulsos e a abraçou. O contato a fez chorar ainda mais. Quando a adrenalina abaixou, sentiu-se enjoada. Virou-se para o lado e vomitou, tossindo logo em seguida. As lágrimas continuavam a lhe marcar o rosto, e sentiu-se fraca, como se fosse desmaiar.
— Ele me pediu para dizer a você que te amava — foi acariciada nas costas. — Que cada minuto ao seu lado valeu a pena.
Limpou a boca com as costas da mão e endireitou o corpo. Ainda esfregou os olhos para fixá-los em Aline.
— Quando ele te disse isso?
— Hoje, enquanto dançava comigo.
Um recado de despedida. Novamente, lembrou-se do último beijo que trocaram. Também foi uma despedida. Perguntou-se mais de uma vez se Raul pressentia que algo lhe aconteceria. De repente, prestou mais atenção em Aline. Por que Raul diria aquelas coisas para ela em vez de simplesmente lhe declarar o amor como sempre fazia?
— Você sabe de algo que eu não sei?
O leve arquear de sobrancelhas de Aline foi o responsável por lhe revelar a verdade. Quando estava de guarda baixa, ela era muito transparente.
Sem nada comentar, ficou em pé e ajudou Mônica a fazer o mesmo.
— Vamos — indicou o caminho. — Eles devem estar no esperando. E você precisa de cuidados nessa perna.
Só que Mônica não andou.
— O que está me escondendo? — apontou-lhe o dedo. — Você sabia que algo aconteceria com o Raul, não é? — procurou pela arma no coldre, mas não a encontrou, pois fora desarmada anteriormente.
— Mônica... — suspirou como quem ganha tempo para pensar.
— Fale logo! — gritou o mais alto que a garganta lhe permitiu.
Aline retraiu-se um pouco. Depois, olhou para cima e respirou fundo.
— Só quero que saiba que o Raul estava lutando para mudar a nossa realidade. Prometo que a morte dele não será em vão.
Um arrepio nada bom lhe percorreu, ainda mais ao dar sentidos para a frase dela. Não pode ser... Aline era militar, a líder do pelotão, sua amiga há anos. Como pôde se enganar tanto com ela?
Sem saber como reagir, ficou parada encarando-a. Os pelos dos braços se eriçaram por causa da corrente de vento que se chocou contra elas enquanto não desviavam a vista uma da outra. O que deveria fazer?
Ao mesmo tempo que sentiu o sangue escorrer pelo ferimento, uma tontura a acometeu. Teria caído se Aline não a tivesse pego a tempo.
— Vamos voltar ao Complexo.
Com as capacidades físicas e mentais debilitadas, aceitou a ajuda. Dessa vez, fechou os olhos e se deixou conduzir por mais que a todo instante visse Raul morto.
Morto...
Foi colocada dentro do caminhão que as esperava. Só se lembrava de ter apoiado a cabeça no ombro de Aline e se sentir segura antes de apagar.
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País Imerso [completo]
Science FictionLIVRO 1 Sinopse: É durante as madrugadas que Aline é acordada pela mãe para que possa estudar. Escondida, ela aprende a história do país, algo esquecido há tempos pela sociedade analfabeta, e o que levou os militares ao poder. Aconselhada pela mãe...