Sem conseguir conter o choro, ele saiu carregado de desespero, o que o fez tomar maiores proporções, por isso Isabel a abraçou com mais força enquanto repetia que se acalmasse. Mesmo que a mãe nada tivesse explicado, apenas o que descobrira já foi o suficiente para lhe desestabilizar.
Os minutos se passaram até Aline ser capaz de respirar fundo sem mais lágrimas verter. Esfregou os olhos, sentindo-se completamente desolada, cansada. Isabel lhe acariciou na cabeça.
— Está tudo bem?
Fez que sim mesmo sem certeza da resposta que dera. Tomou mais ar, livrou-se do que restou dos vestígios das lágrimas e encarou os olhos da mãe.
— Quando eles começaram a nos matar?
Isabel suspirou pesadamente e observou o teto por breves instantes, como se buscasse ali as respostas das quais precisava. Num tom de voz calmo, deu início ao relato.
— Foi logo no início, quando houve o golpe que derrubou o antigo governo democrático e levou os militares ao poder. Lembra da Ditadura Militar que estudamos? — Aline confirmou. — Foi algo parecido. Após o golpe, o governo militar quis passar à população a ideia de que vivíamos um momento de rara prosperidade, sem corrupção, que tudo realmente ficaria bem. Não dependíamos mais de estrangeiros, éramos uma verdadeira potência apenas com os nossos trabalhos. Contudo, houve protestos e incitações a levantes. Muitos se recusavam a viver novamente em um governo comandado por militares.
— Então a população não aceitou a situação, lutaram para impedir — sentiu um pouco de orgulho pela resistência.
— Sim, minha pequena — alisou os cabelos da filha. — Mas, infelizmente, não teve um final feliz — a pausa que fez revelou a Aline o quanto a mãe refletia para tocar no assunto. — Para impedir que o conhecimento subversivo fosse passado às outras gerações, as escolas foram fechadas, assim como qualquer instituição voltada à educação. As pessoas acharam um absurdo o governo fechar as escolas e universidades, e, por conta disso, o verdadeiro levante começou. Protestos, antes tímidos, despontaram em muitos lugares. Só que algo barrou todas as reivindicações: as pessoas começaram a cair doentes em plena ação. Não foram algumas, nem centenas, mas milhares. A população estava totalmente doente.
— Você nunca me contou isso...
— Porque não será fácil ouvir — segurou-a pela mão, retomando. — Ninguém entendeu o que acontecia, foi uma doença tão silenciosa e terrível quanto outras presenciadas pela humanidade e se alastrou rapidamente pela população. Os mais velhos e as crianças eram os primeiros a cair. Os protestos desapareceram e tudo se tornou desespero. As pessoas buscaram ajuda do governo, exigindo uma solução para a epidemia, porém ninguém fez nada. Enquanto a população definhava, os militares ganhavam mais força, afastando ajuda de outros países, fechando cada vez mais o nosso território. O governo militar aumentou o controle sobre a internet, controlando todos os acessos, impossibilitando que os brasileiros entrassem em contato com pessoas de fora. Alegavam que o problema nacional deveria ser resolvido aqui dentro. As pessoas ficaram ilhadas e doentes, proibidas até de pedir ajuda.
Nessa hora, Aline ficou aterrorizada e tentou imaginar as dores e os sofrimentos da população em tal época. Doenças, mortes, desesperança.
— A doença agiu sem o menor controle por vários anos, não sei dizer o quanto. Muitos já nem sabiam mais se acordariam no dia seguinte; grande parte dos idosos pereceram, e cremar corpos passou a ser algo comum, enterros tornaram-se muito caros e malvistos. A população passou a viver na miséria, sem ter o que comer ou beber. Parecia um pós-guerra. Nessa situação, poucos percebiam o desaparecimento de ativistas, artistas, professores, mestres e doutores do conhecimento. Qualquer um creditaria o sumiço à misteriosa e letal doença. Quando cerca de quarenta por cento da população havia morrido ou desaparecido, não apenas os mais velhos, mas também os detentores de maior conhecimento ou revoltosos, o governo apareceu com a notícia de que haviam encontrado a cura.
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País Imerso [completo]
Science FictionLIVRO 1 Sinopse: É durante as madrugadas que Aline é acordada pela mãe para que possa estudar. Escondida, ela aprende a história do país, algo esquecido há tempos pela sociedade analfabeta, e o que levou os militares ao poder. Aconselhada pela mãe...