Leonel conseguiu sair do serviço mais cedo naquele dia. O trabalho com dinheiro digital era complicado e às vezes o esgotava, fazendo-o se sentir culpado por não passar tanto tempo com a família. O cargo de chefia o consumia por completo, levando-o a se dedicar mais àquilo do que às pessoas que amava. Sabia que precisava mudar a própria realidade e arranjar mais tempo para os filhos e a esposa.
Pensou em Aline. O orgulho não cabia dentro de si quando o assunto era a garota. O coração batia acelerado pelo fato de a menina ser a primeira militar da família. Entretanto, a preocupação e o instinto de proteção também surgiam. Ao mesmo tempo que se orgulhava dela, não conseguia evitar o desgosto pelo relacionamento no qual se enfiara. Militares tinham a vida perfeita e muito mais fácil do que a maioria da população, isso sem contar o respeito e a admiração de todos. A chance de a filha fazer um bom casamento e ter uma família grande e feliz esvaiu-se no momento em que se apaixonou por um soldado inválido. E se Heitor atrasasse o sucesso de sua filha? Seria ele capaz de oferecer tudo do bom e do melhor para ela?
Leonel desconfiava que não, afinal ele nunca subiria de patente. Enquanto Aline teria um futuro brilhante pela frente, Heitor seria um eterno simples soldado incapaz. Suspirou longamente. Queria garantir o melhor para a filha e, se fosse preciso, colocaria na cabeça dela que aquele garoto não estava à sua altura. Precisava ajeitar tudo, pois não ficaria muito mais tempo vivo, já que, no ano seguinte, completaria trinta e cinco anos.
Estacionou o carro na garagem de casa e andou despreocupadamente até a entrada. Assim que colocou a chave na fechadura, ouviu um barulho inquieto, como de coisas sendo guardadas. Aquilo o levou a abrir a porta com mais rapidez, de súbito. Sentia que havia algo errado.
Escancarou a porta da sala e correu para a cozinha. Encarou Isabel segurando uma caneta e viu manchas azuis na geladeira. O sistema de limpeza do eletrodoméstico já iniciara o trabalho, porém ele conseguiu notar símbolos que jamais viu antes registrados nela. Piscou duro algumas vezes e, quando não havia mais marcas no branco da geladeira, virou-se para Denis, que segurava um tablet um tanto diferente. As mãos do menino tremiam nervosas na tentativa de desligar o aparelho apressadamente. O pai percebeu os mesmos símbolos naquilo que o filho mantinha em mãos antes de serem engolidos pela escuridão.
Leonel teve certeza de que tentavam esconder algo dele naquele momento. Inúmeras hipóteses lhe preenchiam a mente, uma mais absurda do que a outra. A respiração ficou descompassada e o coração disparou. Não, aquilo não poderia estar acontecendo debaixo do seu nariz!
— Oi, Léo, você chegou cedo... Está tudo bem? — Isabel perguntava como se nada tivesse acontecido.
No entanto, ele sabia que algo vinha acontecendo. A família andava estranha há algumas semanas, principalmente pela inexplicável cura do sonambulismo de Aline e pelas olheiras em Denis. Não era cego, via essas coisas, mas não se importou, deixando o assunto de lado. Só que agora tudo tomara um rumo distinto. Leonel acabara de chegar em um ponto de exaustão, ainda mais por ter presenciado tudo aquilo há segundos. Precisava saber o que acontecia de verdade.
— O que está havendo aqui, Isabel?
— Como assim? — era como se tentasse ganhar tempo.
Aquilo o irritou. Chegou mais perto dela, a voz baixa, num esforço para a manter assim.
— Eu só vou perguntar mais uma vez: o que acontecia aqui antes de eu entrar e por que toda essa correria?
O fato de a esposa não dizer nada, como se procurasse as melhores palavras para mentir para ele, deixou-o ainda mais nervoso. Socou a mesa da cozinha em um ato de fúria e olhou para a esposa, esta com uma feição assustada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
País Imerso [completo]
Science FictionLIVRO 1 Sinopse: É durante as madrugadas que Aline é acordada pela mãe para que possa estudar. Escondida, ela aprende a história do país, algo esquecido há tempos pela sociedade analfabeta, e o que levou os militares ao poder. Aconselhada pela mãe...