Capítulo 1

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"Quanto mais a sociedade

se distancia da verdade,

mais ela odeia aqueles

que a revelam."

George Orwell



A general Samara Macedo ocupava uma cadeira giratória postada atrás da única mesa do gabinete. Tamborilava os dedos no tampo de madeira enquanto refletia a respeito dos dados apresentados pelos subordinados na reunião extraordinária que convocara. Além dela, os militares de mais alta patente do Complexo Militar de São Paulo estavam na sala: major Elsa Santana e coronel Vágner Nascimento. Apesar de ser apenas capitão, não sendo de praxe sua presença ali, César Mendes foi convidado a participar, uma vez que era responsável pela formação dos novos soldados.

Passaram-se exatos cinco dias desde que o tenente-coronel Ezequiel Almeida foi morto dentro daquele mesmo Complexo, assim como diversos soldados, ingressantes no exército em sua maioria, em uma madrugada que precedia a execução da rebelde Giovana Martins. A imprensa já especulava um nome para o ocorrido, que provavelmente seria batizado de "O massacre da madrugada do mês sete".

O olhar de Samara encontrava-se tão gelado quanto o próprio ambiente, como se o inverno que reinava do lado de fora fosse menos frio do que aquele cômodo. Mesmo que já tivesse sido oferecido a ela tempo necessário para analisar o ocorrido, corpo e mente pulsavam por ação. Um crime de grande magnitude aconteceu, desafiando toda uma ordem pré-estabelecida, e isso não podia ficar impune. Não era bom a população se sentir desprotegida, imaginando que haveria rebeldes infiltrados no exército. Perder a confiança das pessoas enfraqueceria o governo. Contudo, se dependesse da general, aquilo nunca aconteceria.

Os dedos de Samara pararam de se chocar contra a mesa no momento em que ela se levantou. As mãos ficaram unidas atrás das costas, e só se ouvia o repetitivo som que os coturnos dela emitiam a cada passada. Após encarar atentamente todos os integrantes da reunião em um silêncio que ela julgava intimidador, começou a falar:

— Trinta e nove soldados e um tenente-coronel foram mortos no que aconteceu aqui há quase uma semana.

Ninguém se atreveu a quebrar o silêncio quando ela fez uma pausa para beber um copo de água. Focou a atenção em Vágner antes de prosseguir.

— Três rebeldes que eram militares estão foragidos, além dos pais de Aline e do irmão dela, isso sem contar os Prestes, que não encontramos em lugar nenhum após a morte de Raul Prestes. Por mais que tenhamos iniciado as buscas no mesmo dia do ocorrido, não temos nada de nenhum deles. Posso saber se há mais alguma novidade, coronel?

— Coloquei as principais equipes atrás de qualquer rastro de Aline ou de seus cúmplices, mas ainda não há sinal algum deles, nem mesmo dos Prestes — ele respondeu firmemente, deixando transparecer para a general que não estava satisfeito com os resultados inúteis das buscas.

— Coloque mais pessoas — Samara mandou, séria. Postou mais a voz para dar continuidade à fala. — Não sei se compreendem nossa situação, mas todos nesta sala foram feitos de idiotas por uma jovem, por uma fedelha! Ela se mostrou uma ótima militar, sendo promovida, merecendo cada uma das honrarias. E ela mentiu, ludibriando-nos majestosamente. Tramou bem embaixo dos nossos narizes! — bateu com o punho na mesa, despontando ódio. — Não pensem que deixaremos algo assim impune!

— Não deixaremos — Elsa garantiu em um tom mais calmo do que o esperado pela situação. — A nossa coletiva de imprensa será hoje, e garantirei que cada cidadão de bem associe o rosto já conhecido de Aline aos rebeldes, assim como os comparsas dela. A população terá a repulsa necessária por cada um deles. Podemos também colocar depoimentos de familiares que perderam seus filhos e irmãos naquela madrugada, depositando a culpa da morte prematura deles nos rebeldes. Ressaltaremos como o exército abriu os braços para recebê-los e só o que fizeram foi nos trair de forma inescrupulosa — a major buscou a confirmação da general, que assentia discretamente.

— Quero falar com as famílias dos outros envolvidos — a general voltou a andar, como se o ato a ajudasse a pensar. — Mandem buscar a família Chagas e a Machado. Se alguém se recusar a comparecer, acusem-no de traição à nação para que o interroguemos como se fosse um rebelde. Arrancaremos tudo que for possível dessas pessoas, essa é nossa prioridade — fechou o punho.

— Sim, general — Elsa bateu continência.

— A coletiva de imprensa não deixa de ser igualmente importante e é vital que o nosso empenho em acabar com aqueles parasitas seja tratado com o máximo de chances de sucesso. Precisamos transmitir isso. A população deve se sentir segura para que tenhamos apoio — prosseguiu Samara. — Algo de extrema importância é mostrarmos o quanto os rebeldes são perigosos, ainda mais os infiltrados. Perdemos membros importantes do exército por causa deles. Ressaltaremos também a necessidade de as pessoas informarem ao exército se souberem ou desconfiarem de que alguém seja rebelde. Assim podemos neutralizá-los antes que causem mais problemas para os inocentes.

Todos assentiram, e Samara parou diante do capitão Mendes.

— César, você deverá ser firme em desmistificar qualquer afeição que os novos soldados possam ter em relação a Aline ou aos envolvidos. Qualquer um que apresentar ideias perigosas ou ideais rebeldes deve ser encaminhado a mim imediatamente. Entendido?

— Com toda certeza — César afirmou.

— Como Alexandre está quanto a isso? É de conhecimento de todos os sentimentos que ele nutria pela Aline. Depois do que aconteceu, precisaremos redobrar a atenção nele.

— Alexandre é o único líder dos novos soldados agora — César buscou tranquilizar a superior. — Ele não pôde deixar de se surpreender quando soube da traição de Aline à nação. Mas é um militar com uma fidelidade inquestionável, está firme aos nossos ideais.

— Mesmo assim, ainda o manterei por perto. Não é porque é seu filho que deixarei de prestar atenção nele.

César concordou.

— Pois bem — Samara direcionou-se a todos. — Não podemos sequer passar a impressão de qualquer falta de controle, tanto para os demais de nós quanto para a mídia e a população. Um rebelde infiltrado já é algo intolerável. Um grupo é execrável. Vocês continuarão com as buscas e, se tiverem qualquer novidade, a mínima que for, devem vir até mim para me manter a par. Deem o sangue se for preciso, mas quero a localização daqueles vermes. Fui clara?

Todos aquiesceram sem esboçar emoção alguma dessa vez. Estavam prontos para cumprir as ordens sem questionar.

— Quero Aline Lemos nas minhas mãos! Assim que ela for encontrada, farei questão de interrogá-la sozinha. Aquela menina precisa aprender a não me desafiar, a não se voltar contra a nação. Garantirei que ela nunca mais se oponha ao governo e tomarei todas as providências possíveis para isso.

Sequer fez questão de esconder o quanto queria Aline só para si. Destruiria, com requintes de crueldade, o espírito rebelde dela antes de executá-la.

Encerrada a reunião, Samara foi deixada sozinha na sala. Os olhos dela pararam sobre o símbolo da nação — a esfera azul com a faixa branca no meio — disposto atrás da cadeira, na parede. Se encontraram inimigos entre os militares, provavelmente haveria mais. Por isso, a partir daquele dia, investigaria cada militar, buscando não apenas destruir cada rebelde infiltrado, mas também caminhos para achar Aline. Não permitiria que nenhum deles continuasse vivo. Já sentia a pressão dentro do governo por causa da presença marcante de Aline e do feito ousado que continuava sem punição.

Precisava descobrir o paradeiro da menina e condená-la o mais rápido possível para que servisse de exemplo. Não deixaria que uma garota destruísse tão facilmente tudo em que acreditava, o que lutou tanto para construir.

País Corrompido [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora