Na sala de reuniões destinada a assuntos emergenciais, os olhares de recriminação pesavam sobre César; todos o julgavam pelo que acontecera. Ele respirou fundo para conseguir manter a pose séria e esperar pelo começo das discussões acerca das buscas dos rebeldes.
A major Elsa Santana e o coronel Vágner Nascimento, por mais que encarassem friamente o capitão, como se o acusassem de algo, não se atreveram a quebrar o silêncio imposto pela general Samara Macedo, que andava de um lado para o outro diante de uma tela, esperando que o presidente Nicolae III aparecesse para a conferência.
César começou a contar os minutos e os passos da general, só parando depois de exatos oito minutos, quando a figura do presidente surgiu no aparelho iluminado. Nicolae não expressava felicidade, mantinha os ombros alinhados e o queixo empinado. Percorreu com a vista os presentes no cômodo e passou as mãos pelos cabelos castanhos, penteando-os para trás.
— Sentido! — ordenou o presidente, e os militares bateram continência. — Pois bem... — Nicolae incitou Samara para que desse início à reunião.
A general aprumou-se ainda mais, retirou o quepe da cabeça, deixando os cabelos tingidos de vermelho à mostra, e começou a falar.
Imagino que todos já sabem do ocorrido. Não é mesmo, capitão Mendes?
Ele assentiu pesaroso, entendendo que ainda não era a hora de responder. Acima de tudo, César precisava manter a história que planejara com Meire. Não era a primeira vez que mentia para que acreditassem que fosse um militar alienado, mas sim a primeira em que Alexandre se envolveu, ainda mais após ter desertado, assumindo-se rebelde. Sentia orgulho dele, algo que sequer podia demonstrar.
— Você possui uma carreira sólida, está há mais de vinte anos no exército e foi o responsável pelo treinamento de soldados admiráveis, capitão — Samara fez uma pausa, passando os olhos por Nicolae e voltando em seguida para ele. — Como que dois dos melhores soldados dessa nova leva eram rebeldes e você nunca percebeu nada? Ainda mais sendo um deles seu filho?
César aprumou ainda mais a postura e primeiro inclinou a cabeça na direção do presidente, em sinal de respeito, antes de iniciar sua fala.
— Antes de tudo, devo reforçar que estou tão surpreso quanto todos desta sala — passou a mão pelo rosto, reforçando o lamento ensaiado.
— Surpreso não é a palavra que eu usaria — Samara o cortou. — Continue.
Ele fechou e abriu lentamente os olhos, buscando as palavras mais adequadas. Precisava demonstrar como o assunto de Alexandre o abalava. Afinal, seu único filho se tornara um rebelde, algo inaceitável.
— Alexandre era apaixonado pela Aline, sempre foi. Havia uma grande admiração da parte dele mesmo ela o tendo recusado. Acho que ainda nutria esperanças de ficar com ela — balançou a cabeça em negativa, desaprovando os sentimentos do filho. — Assim que ocorreu a fuga dos rebeldes e o massacre, deixei bem claro para que ele esquecesse essa tolice e focasse em alguém mais próximo, levando em conta a sua posição social e sua carreira. Aline não passava de uma rebelde.
Demonstrou certo asco ao dizer aquelas palavras e observou todos por poucos segundos, toda a atenção estava focada em si. Inspirou profundamente antes de prosseguir.
— Mas agora vejo que não fui firme o bastante. Aline possivelmente o contatou enquanto eu não mantinha os olhos nele. Meu próprio filho... — lamentou-se como se fizesse certo esforço para que os sentimentos não transparecessem. — Ele foi seduzido por aquela rebelde, só pode. Ela distorceu os valores dele de forma que nem eu consigo imaginar — fechou os punhos, frustrado.
— Seu filho, capitão, fugiu com rebeldes e matou soldados. Creio que você saiba o que acontecerá com ele caso seja capturado, certo? — a general o encarou com o olhar desafiador.
Execução. César conhecia muito bem a sentença. Todos os rebeldes, após serem interrogados e torturados, eram executados. No entanto, ele não conseguia imaginar o que aconteceria se Alexandre ou Aline fossem capturados. A situação deles era diferente por serem desertores e rebeldes. Antes dos Prestes, nenhum rebelde havia sido encontrado dentro do exército. O capitão limitou-se a assentir, disfarçando a tensão e fazendo força para engolir a saliva.
— As buscas continuarão — dessa vez, o próprio Nicolae tomou a palavra. — Quero tropas seguindo todos os cursos possíveis do Rio Tietê. Os outros complexos militares foram avisados e, com isso, reforçaremos as buscas nas fronteiras dos estados. Se eles tentarem sair de São Paulo, os pegaremos — as narinas do presidente abriam e fechavam conforme a rápida respiração, demonstrando o quanto estava nervoso com a situação. — Esse tipo de traição não pode continuar se alastrando pelos nossos melhores soldados! Quero acabar com essa praga de uma vez! Entretanto, as ordens são para trazer Aline e Alexandre vivos. Quero uma confissão pública da garota antes de eu mesmo puxar o gatilho — um discreto sorriso lhe tomou os lábios. — Quanto ao seu filho, capitão...
Encarou Nicolae o mais submisso possível. Em sua mente, as imagens que vira da morte de Raul Prestes rodavam. Prestava atenção ao rosto do presidente sem que pudesse perceber algo fora do lugar. A tecnologia que ele usava fazia um trabalho impecável com a pele envelhecida e com o cabelo branco.
— Você conversará pessoalmente com ele assim que for capturado — continuou o presidente. — Talvez consiga tirar algo dele antes da execução — César assentiu por mais que o estômago tivesse se contraído de raiva. — Alexandre dará depoimento antes de o sentenciarmos de acordo. Mas creio que tanto ele quanto Aline saibam o que os aguarda — Nicolae fez um sinal com a cabeça para Samara falar.
— Elsa, Vágner. A notícia do ocorrido no Rio Tietê ainda não deve ser associada aos rebeldes procurados. Divulguem como algum acidente ou, se necessário, vinculem a algum grupo menor de assassinos rebeldes que foram devidamente presos após matarem nossos soldados. Enfatizem como esses rebeldes são perigosos! O controle dessas informações deve manter-se fiel a nós. E César! — virou-se para ele. — A partir de hoje, você comparecerá a todas as reuniões e planejamentos de captura dos rebeldes. Com duas falhas geradas sob seus olhos, eu o quero bem perto de mim.
Era uma ameaça clara. A partir daquele momento, Samara observaria cada movimento do capitão.
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País Corrompido [completo]
Science FictionLIVRO 2 *antes de começar a leitura deste livro, certifique-se de que leu País Imerso, livro 1 da trilogia* Sinopse: Escondida, esperando os ânimos se acalmarem e os corpos se curarem, Aline verá o exército os caçando. Por mais que tenha medo de per...