Capítulo 24

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Naara fez uma lança para caçar com o que achara abandonado na vila. O galpão do local, que ficava do lado de fora do círculo formado pelas casas, guardava pedaços de madeira apropriados para a tarefa, de forma que ela só precisou improvisar com um canivete. Depois da fogueira e do consumo de carne destinada às cidades, os rejeitados provavelmente nunca mais a comeriam. Por isso estava ali. Queria deixar algo para eles como agradecimento pela hospitalidade, já que não sabiam caçar e sequer tinham tempo para isso por causa do trabalho puxado. Um porco-do-mato deve servir, pensou ao avistar a presa.

Com cautela, aproximou-se do animal, que comia distraidamente alguns frutos caídos. Manteve-se atrás de um tronco, agachada, observando-o. Como sempre carregava consigo uma zarabatana com veneno de imobilização, tirou-a do cinto e colocou dentro uma pequena lança. Levou-a à boca e inspirou uma grande quantidade de ar para conseguir atingir o animal. Ao mirar, prendeu a respiração por alguns instantes e tensionou o braço. Soltou a ar de uma vez, empurrando a lança, no mesmo momento em que o porco-do-mato mexeu as orelhas e partiu em disparada, o que a fez errar.

Naara permaneceu imóvel, certa de que não produzira som algum para afastar a criatura. Frustrada, imaginando que começava a perder a habilidade de caça, logo ouviu o barulho que assustara a presa: motor. Aquilo deixou os sentidos dela em alerta, que observou os arredores, vendo apenas a vegetação nativa. Um veículo naqueles arredores poderia muito bem ser do exército. Sem tempo a perder, correu em direção ao som. Precisava ter certeza.

Atenta ao redor, parava com frequência para confirmar se estava indo para o lugar certo. Os sons lhe diziam que sim. Com precisão, encontrou o que procurava: um caminhão do exército. Escondeu-se atrás de umas pedras na margem da estrada de terra e observou o veículo parado, de onde desceram dois jovens militares.

— Verifiquem os arredores e depois vão para a vila — gritou um terceiro sujeito de dentro do caminhão, enquanto os dois assentiam e se afastavam.

Naara analisou a estrada, que mais à frente fazia uma curva. Com uma ideia em mente para atrasá-los, voltou a se embrenhar na mata e disparou até o ponto escolhido. Dessa vez, sequer parou, só correu.

Esbaforida, chegou até a curva fechada. De um lado da estrada, havia a floresta, do outro, um penhasco, o que forçaria a diminuição da velocidade. Já podia escutar o caminhão se aproximando, por isso se agachou entre as plantas para se esconder e tirou o revólver do cinto. Respirava fundo para controlar as reações do corpo e o próprio nervosismo. Quando avistou o veículo do exército entrando na curva e reduzindo a velocidade, soltou o ar devagar e atirou na roda traseira. Na mesma hora, o pneu estourou, e ela sequer ficou ali para ver o que aconteceria. Precisava avisar os demais o mais rápido possível.

O dia que passara na região servira para conhecer os arredores. Por causa disso, já era capaz de traçar o caminho mais rápido de volta à vila, e foi exatamente o que fez. Começou a sentir os primeiros sinais do esforço físico exagerado, mas não tinha tempo para dar atenção àquilo.

Com uma leve tontura e já perto do destino, apertou o passo ao avistar Catarina e Eric andando distraidamente próximo à divisa entre a floresta e a vila. Balançou os braços para chamar a atenção de ambos, que a encararam espantados. Assim que parou diante deles, nem recuperou o fôlego.

— Os militares, eles estão vindo em um caminhão. Há dois deles na floresta. Precisamos nos preparar e esconder a todos o mais rápido possível!

O casal se entreolhou com preocupação.

— Aline e Alexandre estão na floresta — comentou Eric, visivelmente tenso.

— Nós vamos buscar os dois! Sei onde estão! — Catarina declarou afobada. — Melhor você avisar os outros.

País Corrompido [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora