Capítulo 37

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Aline dedicou-se à missão de um modo que nunca fez antes. Passou dias trancada em salas de reuniões, tanto que só via Leonel e Denis em algumas refeições. Geralmente, quando voltava para o dormitório, eles já estavam dormindo.

Afastou-se também de Alexandre, que sequer participava das reuniões. No entanto, em um dia que entrou na sala com o café da manhã nas mãos, pois perdera a hora, encontrou-o lá, o que a fez paralisar por alguns segundos. Foi inevitável ignorar o orgulho que sentiu no momento em que ele começou a se inteirar das discussões e dar ideias, realmente ajudando a construir algo. Mesmo assim, não o procurou para que conversassem. Se o conhecia bem, logo ele viria falar com ela. E foi exatamente o que aconteceu.

Depois de quase duas semanas que estavam ali, ele a abordou após o jantar. Caminharam um ao lado do outro, em silêncio, até o dormitório onde ele ficava. Sentaram-se no colchão, e Alexandre logo se desculpou pela forma que falara com ela. Disse que só naquele momento começava a voltar ao normal.

— Ainda estou me acostumando com o fato de que nunca mais verei meus pais.

A voz dele falhou depois disso, e ela o abraçou. Alexandre agarrou-se à camiseta dela e chorou de uma forma sentida, intensa. Estar ali com ele lhe trazia inúmeros sentimentos, dentre eles a felicidade de poder se reaproximar do namorado, consolá-lo, fazer parte de suas dores; mas também a tristeza a consumiu ao ver como ele estava sofrendo, como agora não teria mais ninguém.

Deitou-se com ele, que ainda chorava, e ficou ali até que adormecesse. Acariciou o rosto dele, vendo como aparentava estar mais cansado do que de costume. A dor da perda o estava consumindo. Encostou o nariz ao dele e o beijou suavemente na boca. Quando se levantou e o olhou, torceu para que conseguisse lidar com a morte dos pais da melhor forma possível. Quis ajudá-lo, mas soube não ser capaz de muita coisa. Tudo dependeria dele.

Conforme os dias se passavam, batedores iam até a área pertencente ao exército para observar, trazendo o máximo de informações possíveis. Com isso, descobriram que o prédio do laboratório ficava no centro de um terreno cercado por muros, nos quais havia guaritas e militares de guarda o tempo todo.

Após três semanas, Etama chamou por Aline, Eric, Mônica, Alexandre e Heitor. Ao entrarem na sala onde ela estava, a líder pregava fotos em uma parede. Aline se aproximou e prestou atenção nas imagens: eram todas da área que cercava o laboratório. Os muros altos impossibilitavam que vissem dentro, mas alguém conseguira tirar aquelas fotos quando o portão se abria para a entrada de alguns caminhões do exército. Pelo pouco que as imagens capturaram, a segurança ali aumentara, assim como as rondas de militares do lado de fora dos muros. Suspirou frustrada. Eles estavam prontos para um ataque rebelde.

Etama explicou que os chamara ali porque eram os únicos ex-militares do acampamento e precisava que eles analisassem o comportamento do exército. Talvez pudessem descobrir algo que passara despercebido pelos demais rebeldes. Até o momento, as informações não eram suficientes para uma invasão.

Eles andavam para lá e para cá, pensando em possibilidades, olhando as fotografias e levantando hipóteses. Eric apanhou uma caneta e começou a escrever coisas em uma folha, lendo para os demais que não eram alfabetizados como ele.

Enquanto ele falava sobre a rotatividade das vigias que vinham observando, Aline mantinha os braços cruzados e o olhar na imagem de um caminhão do exército. O que estavam deixando passar? Teria de existir uma forma de entrarem, mas qual? Coçou a cabeça, fechou os olhos e respirou fundo. Pense, pense... Já estivera várias vezes em um veículo do exército, o que poderia tirar dessa experiência? Voltou a encarar a fotografia, e os olhos pararam sobre a placa de identificação do caminhão. Na mesma hora, arqueou as sobrancelhas. Conhecia aqueles números. A ideia que teve a fez tirar a fotografia da parede subitamente, o que chamou a atenção de todos. Colocou-a sobre a mesa ao lado de Eric e apontou os números.

— Essa placa é de São Paulo.

Não precisou dizer mais nada para Eric e Etama arquearem as sobrancelhas.

— Como não percebi isso antes... — Etama olhou mais de perto a imagem. — Esses caminhões estão vindo de vários lugares diferentes.

— Isso quer dizer que... — Eric começou, mas não concluiu, apenas se virou para Aline, que completou:

— A invasão não precisa necessariamente começar aqui — um meio sorriso lhe tomou os lábios.

— Isso! — Etama exclamou. — Vou agora mesmo falar com a Naara — iniciou passos para fora da sala, porém parou antes de sair e se virou para eles. — Se preparem, pois dessa vez vamos invadir esse laboratório — correu de lá.

Heitor, que passara a andar com um notebook para cima e para baixo, depositou o equipamento sobre a mesa e o abriu. Quando Mônica perguntou o que faria, ele disse que achava que conseguiria rastrear os caminhões pelo código da placa. Depois de alguns minutos digitando números e mais números, chamou Aline para ajudá-lo a ler algumas coisas.

Ela parou ao lado dele e foi lendo as frases que apareciam em diversos programas abertos na tela. Ela mal terminava um e ele já abria outro, buscando algo freneticamente. Quando o símbolo da nação apareceu, soube que Heitor invadira algo do governo. Em segundos, um mapa tomou a tela, e pontinhos vermelhos se destacaram.

— Achei! — Heitor vibrou alto. — Esses pontinhos são os caminhões do exército. Este aqui — indicou um que piscava — é esse caminhão — apontou para a fotografia. — Ele continua no laboratório.

— Isso será muito útil — comentou Alexandre com uma mão no queixo como quem reflete sobre o assunto. Depois encarou Aline e chegou mais perto, segurando-a pela mão bem devagar. — Duas pessoas são capazes de tomar um caminhão, ainda mais se elas tiverem sido treinadas adequadamente.

— Uma dupla não é o suficiente, da mesma forma que apenas um caminhão também não é — Aline manteve os olhos nele.

— Temos três duplas — Alexandre apontou para os demais ali na sala. — Eric pode ir com a Catarina, que é bem capacitada.

— Tomamos os caminhões e vamos até o laboratório — Mônica comentou. — Mas e depois? Seremos só seis pessoas, Alexandre.

— Depois facilitamos o acesso para os outros. Se tudo der certo, seremos a maioria. Não vamos apenas invadir o laboratório, vamos tomá-lo. É assim que se começa uma guerra — sorriu de canto, orgulhoso.

Todos assentiram, satisfeitos com as palavras dele. Aline, contudo, ainda o encarava buscando alguma falha no plano que começariam a elaborar. Ao não encontrar, rendeu-se e concordou com tudo. Seria o primeiro passo efetivo daquela guerra iminente.

País Corrompido [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora