César terminava de arrumar a mesa de jantar junto de Meire. O silêncio após arrumarem os talheres só servia para deixar ambos mais preocupados. O risco de toda a operação era enorme, mas ele sabia que aquele dia eventualmente chegaria.
Só marcara o encontro depois de ter certeza de que sua casa se encontrava livre de qualquer suspeita. Por mais que fosse capitão, a general continuava desconfiando de que houvesse mais rebeldes dentro do exército, por isso vinha redobrando os cuidados, mantendo-os perto dela. Não havia ordens para usar as drogas da verdade nos militares, o que lhe tranquilizou um pouco. Pelo que lhe foi passado pelos superiores, a droga ainda causava muitos efeitos colaterais, pois estava em fase de testes quando decidiram mandá-la para as cidades, o que não deu tempo de aperfeiçoá-la. Então, usá-la no exército debilitaria muitos oficiais em um momento em que todos eram necessários. A prioridade era capturar rebeldes, o que não acontecera.
Presenciava a fúria de Samara, vendo-a repetir que era como se os rebeldes tivessem desaparecido. Nenhum Complexo conseguiu encontrá-los. O mais perto que chegaram foi de um acampamento abandonado no norte do país. A general era esperta, sabia que de alguma forma os rebeldes tinham sido avisados.
Os poucos dias que se passaram desde a chegada da droga deixaram Samara mais introspectiva. Ela só se manifestava nas reuniões, nas quais desaguava a indignação com tudo o que acontecia. Ainda tentava, sem sucesso, a aprovação do presidente para interrogar civis. César apenas torcia para que ela não conseguisse o que buscava.
Mesmo assim, enquanto ele trabalhava no Complexo, Meire instalou na casa um sistema de segurança com câmeras em lugares estratégicos. Caso viessem pegá-los, veriam o exército antes que invadissem a residência, o que daria alguma vantagem para fugirem. Fora isso, usavam diariamente comunicadores entre eles, que permaneciam ligados. Por causa disso, Meire acompanhava a rotina do marido, ouvindo-o o tempo todo. Como ele precisava usar o comunicador do exército, o que estava ligado ao de Meire ficava preso na gola da camiseta, debaixo do uniforme.
Todo cuidado era pouco.
Pelo celular, que estava conectado ao sistema de vigilância da casa, Meire viu um grupo de pessoas se aproximando da residência. Logo que avisou ao marido, escutaram a campainha tocar. Por mais que César não estivesse uniformizado, mantinha um revólver no cinto. Tocou-o quando se encaminhou para o portão da casa só para ter certeza de que estaria ali caso fosse necessário.
Mesmo com todo o cuidado, sabia o quanto era arriscado convidar desconhecidos. Por mais que tivesse certeza de que todos eram rebeldes infiltrados, a insegurança ainda lhe vinha. Tinha muita coisa em jogo. Com um suspiro, parou ao lado do portão e o abriu lentamente.
Logo reconheceu Tatiana Moura, primeiro-sargento do Complexo Militar. Depois que recebeu a mensagem dos rebeldes e a lista com os nomes dos infiltrado de São Paulo, foi com ela que teve a primeira conversa. Em silêncio, apenas a cumprimentou com a cabeça e deu passagem para que entrasse, sendo seguida pelas outras três pessoas. Indicou a porta da sala e ainda olhou para todos os lados antes de fechar o portão.
Meire os recebeu na porta da sala e pediu que se acomodassem. Além de Tatiana, havia mais duas mulheres e um homem, que se apresentaram como Pamela, Rosana e Gustavo. Todos aparentavam ter por volta de trinta anos.
Antes de qualquer coisa, todos mostraram os celulares uns para os outros. Na tela, a mensagem em números, o que comprovava que eram rebeldes infiltrados. César percebeu o alívio no rosto dos três desconhecidos. Imaginou que estar na casa do capitão do exército os incomodasse um pouco, a ponto de duvidarem se ele fazia mesmo parte da causa ou se era uma emboscada.
Para deixá-los mais à vontade, sentou-se com Meire diante deles e contou que seu próprio filho estava com os rebeldes, indo naquele exato momento para o acampamento mais próximo de Brasília. Por mais que os presentes soubessem da droga da verdade, ele precisou explicar como funcionava, o que provocou olhares assustados neles.
— Estamos em um momento crucial na nossa história, companheiros — mantinha o tom de voz ponderado. — Acima de tudo, é necessário muito cuidado agora. Tatiana e eu já conversamos com alguns infiltrados no exército e provavelmente os receberemos aqui em casa nos próximos dias. O objetivo é estreitar cada vez mais o contato entre nós para nos unirmos. Quando a guerra estourar, porque ela vai em algum momento, precisamos estar prontos para lutar — assentiram. — Quero saber como está no ramo de trabalho de vocês e com as famílias, já que as líderes pediram que os familiares fossem trazidos para o nosso lado.
— Meu marido é muito cabeça-dura, vai ser complicado trazê-lo à razão — Tatiana confessou. — Na verdade, tenho um pouco de medo do que ele possa vir a fazer quando descobrir que sou uma rebelde e que ensino coisas para os nossos filhos — encolheu os ombros, desiludida.
César fez que sim com a cabeça.
— Se você acha que ele não entenderá, melhor não comentar nada — aconselhou Meire.
— Eu só queria que ele compreendesse — suspirou. — Fora isso, como César disse, já conseguimos contato com vários militares, desde alguns com mais anos de carreira até recém-soldados.
— De minha parte — comentou Pamela —, que estou no ramo comercial, conheci algumas pessoas, como a Rosana aqui — sorriu para a mulher, que retribuiu. — Ontem mesmo conseguimos nos unir para mandar uma remessa de roupas para os rebeldes. Há um infiltrado que trabalha no setor de transporte, tem um caminhão. Ele deixou tudo num local fora da cidade, onde os rebeldes vão buscar. Disse que sempre faz isso.
— Isso é ótimo — Meire uniu as mãos diante do próprio peito. — Os rebeldes vão precisar ainda mais da nossa ajuda, já que agora estão em toque de recolher.
— Já meu marido anda um pouco desconfiado — Pamela continuou. — Pergunta com frequência para onde vou ou no que estou pensando quando não lhe dou atenção. Pretendo logo mais contar a verdade para ele. Creio que consigo trazê-lo para o nosso lado.
Os presentes balançaram a cabeça em acordo.
— Minha esposa já sabe a verdade acerca de um ano — contou Gustavo. — Não consegui esconder dela, que me surpreendeu ensinando os gêmeos — deu de ombros. — Foi difícil no começo, mas ela não mostrou muita resistência e logo se interessou pela causa rebelde. Vocês não imaginam o alívio que foi isso — sorriu sem graça. — Já na área de segurança e manutenção de equipamentos, encontrei poucas pessoas. Trabalhamos em pequenas salas, sem muito contato com o externo, por isso fica mais difícil. Mas os que já conversei mostraram-se bem determinados com a nossa união. Está sendo muito bom estreitar os laços assim.
— Com certeza — César também concordou com um menear de cabeça. — Precisamos agora traçar meios de continuarmos nos encontrando sem levantar suspeitas. Tatiana e eu estamos montando rotas de fugas para os infiltrados caso algo aconteça e precisemos fugir. Então gostaria que cada um de vocês se reunisse com as pessoas que trabalham nas mesmas funções e descubram com o que podem contribuir tanto com os acampamentos rebeldes quanto com nós aqui. E não se esqueçam dos familiares.
Todos concordaram em uníssono. Continuaram com a reunião mais poucos minutos, nos quais tanto ele quanto Meire passaram algumas dicas de segurança, enfatizando que tomassem cuidado com o exército. Caso fossem abordados, demonstrar ódio aos rebeldes e sempre buscar ajudar os soldados caso preciso. Por último, Rosana distribuiu entre eles a droga que lhes mataria.
— Eu a produzo em casa — contou enquanto colocava um comprimido na mão de cada um. — Aprendi com o meu pai, que era da primeira leva de crianças infiltradas. Agora que sabemos da existência do laboratório, o uso delas se torna mais imprescindível do que nunca.
César viu quando Meire analisou a pílula com atenção. Dos presentes, ela era a mais velha. Imaginou que estaria cogitando usá-la caso não conseguissem mudar o rumo do país nos próximos meses. Aquilo fez com que um nó se formasse na garganta dele.
Por fim, jantaram. Apesar do medo que percebia em todos os infiltrados que encontrava, para apenas poucos dias desde que receberam a mensagem, tiveram bons resultados. Mesmo assim, César pensava a todo instante que andavam em uma corda bamba sobre um precipício. Qualquer deslize seria mortal.
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País Corrompido [completo]
Science FictionLIVRO 2 *antes de começar a leitura deste livro, certifique-se de que leu País Imerso, livro 1 da trilogia* Sinopse: Escondida, esperando os ânimos se acalmarem e os corpos se curarem, Aline verá o exército os caçando. Por mais que tenha medo de per...