Capítulo 42

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— Aline! — gritou Heitor pelo rádio. Apoiou-se em uma mesa de vidro, na qual um grande radar mostrava como os aviões do exército se aproximavam com rapidez. — Aline! — voltou a chamar por ela. Ao seu redor, o alvoroço era geral. Não havia esperança.

Heitor fechou o punho e socou a mesa, frustrado por não ouvir mais a voz dela. Uma das moças que o acompanhava, que também tinha um tablet em mãos, desconectava o aparelho de uma mesa de controle, avisando que pegara todos os vídeos necessários, assim como todos os documentos encontrados. Mesmo informando algo bom, ninguém ali pareceu feliz, e os olhos dele continuavam no radar.

Heitor... — a voz de Alexandre saiu do rádio que Heitor segurava. — O que está acontecendo?

— Vamos ser bombardeados. Precisamos evacuar agora! — enquanto falava, observou Etama e Naara mandando todos saírem. Cristiane também tinha um rádio e dava ordens para que abandonassem o local imediatamente. Fechou os olhos e engoliu em seco. Fora treinado para ser um militar, e apesar de ter se ferido logo no começo da carreira, sabia que não daria tempo. Em poucos minutos, o prédio estaria abaixo com todos ali dentro. Os que conseguissem escapar da construção seriam pegos pelo caminho. Mesmo assim, usou seu último resquício de esperança para dizer: — Tire a Aline daqui agora! Estamos evacuando!

Mas, Heitor — a voz de Alexandre saiu tremida. — Eles estão chegando? Estão muito perto? Não tem como interceptar?

Não, não tem, pensou ao olhar mais uma vez para o radar. Os pontinhos, que indicavam os aviões, já estavam absurdamente perto. Sentiu vontade de chorar... Tudo estava perdido, todos morreriam.

— Alexandre — praticamente suplicou. — Só tente tirar a Aline daqui, tudo bem? Faça isso, por favor — as palavras quase não saíam.

Tudo bem. Obrigado por tudo, Heitor. Você sempre foi meu amigo — o tom de despedida fez uma lágrima escorrer pelo rosto de Heitor. Alexandre já tinha entendido tudo.

— Continuarei sendo — dessa vez, várias lágrimas desceram. — Só fique com ela...

Ficarei — a confirmação foi seguida de um chiado, o fim da comunicação entre eles.

Heitor caiu sentado em uma cadeira diante da mesa com os olhos fixos no radar. Menos de três minutos...

Por mais que as pessoas corressem para fora daquela sala repleta de equipamentos eletrônicos, alguns desconhecidos por ele, continuou ali. Em sua mente, lembranças dançavam. Depois de meses, pensou em sua família. Evitou recordar-se deles para não sofrer, mas naquele momento era inevitável. Desertou por causa dos novos ideais, porém fez isso por eles, para que um dia seus pais e suas irmãs pudessem ter um futuro diferente, viver mais do que quarenta anos. Suspirou. Será que alguém continuaria com a missão de desmascarar o governo depois que ele morresse? Depois que todos ali tivessem deixado de existir? Quem seriam os líderes rebeldes após a morte das irmãs Villas Boas, sendo que Catarina, Eric e Aline estavam ali também?

Aline... Pensar nela doía ainda mais. Aline não podia morrer assim, não podia simplesmente desaparecer depois de ter lutado tanto por aquele país, por seus ideais rebeldes. Abaixou a cabeça, apoiando-a nas mãos. Vamos todos morrer...

— Heitor — Mônica o tocou no ombro, e ele a olhou. Ela tentou sorrir, falhando e deixando transparecer o medo. — Vamos, precisamos sair daqui antes que eles cheguem.

— Não vai dar tempo, você sabe disso — indicou o radar.

— Podemos pelo menos tentar? — segurou-o pela mão e o puxou da cadeira, forçando-o a ficar em pé. — Não quero morrer aqui nessa sala, esperando pelas bombas. Se for para morrer, quero estar correndo — sorriu com mais sinceridade. — Vamos, por favor. Preciso pelo menos fazer isso, pelo menos tentar — lágrimas lhe inundaram os olhos, e uma escorreu.

Ele contorceu os lábios e secou a lágrima da amiga. Também sorriu após concordar com a cabeça. Como eram os últimos, ainda observaram o ambiente antes de correrem de lá. Avançaram pelo corredor, desviando de alguns corpos militares e rebeldes. Por mais que não fossem usar, Heitor apanhou dois fuzis do chão e jogou um para Mônica, que agradeceu. No fundo, ainda eram militares, e portar armas trazia um pouco mais de segurança.

Desceram o primeiro lance de escadas, e ele percebeu que Mônica correria mais rápido se estivesse sozinha. Não tentou convencê-la a deixá-lo para trás, pois sabia que ela não o faria. Era melhor assim, não queria morrer sozinho, sem um rosto familiar por perto.

Chegavam ao outro lance de escadas quando tudo tremeu, levando-os ao chão. Assustados, olhavam para cima, esperando que o prédio começasse a desmoronar. Só que nada aconteceu.

— Não atingiram o prédio — Mônica colocava-se em pé novamente. — Vamos!

Usaram tudo o que tinham, a última esperança de continuarem vivos. Ao conseguirem atingir o térreo, só houve tempo para escutarem uma segunda bomba caindo. O impacto fez o chão voltar a tremer e algumas partes começarem a desabar, permitindo que vissem além das paredes que ganharam alguns buracos. Caídos no chão, entre a poeira que tomou o ambiente, avistaram uma cena dantesca: restos mortais pegando fogo, assim como pessoas ainda vivas correndo com o corpo em chamas. Mais aviões se aproximavam, e não houve mais forças em ambos.

Mônica e Heitor permaneceram no chão, esperando pelo fim. Ele ainda estendeu a mão para ela, que segurou, apertando. Choraram olhando um para o outro, não para a cena horripilante à frente.

Pelo menos, morreriam com a imagem de alguém conhecido em mente.

***

— Vocês ouviram! — gritou Alexandre para o restante do grupo. — O prédio será bombardeado, temos de sair agora! — indicou a porta pela qual entraram.

As pessoas começaram a correr para fora, e ele se ajoelhou diante de Aline, que estava no chão, com o olhar vidrado no nada. Alexandre a tocou carinhosamente no rosto, fazendo-a encará-lo.

— Vamos, Aline — pegou-a pela mão. — Temos de sair daqui.

— Eles vão nos pegar mesmo assim — cobriu a boca com as costas da mão. Tentava segurar o choro, mas a força se esvaia com rapidez, levando a coragem e a esperança. — Não há onde nos escondermos. Por mais que a gente saia do prédio, é descampado lá fora. Vão nos pegar de qualquer jeito — franziu a testa e engoliu o choro. — Prometi para o Denis que voltaria. Não posso deixar meu irmão sozinho. Meu pai também precisa de mim — uma lágrima escorreu, porém ela a secou rapidamente.

— Vamos pelo menos tentar, Aline — puxou-a para cima, colocando-a em pé.

— Podemos tentar, mas não vamos conseguir — pessimista, deu as costas para ele, afastando-se, e olhou a sala já sem rebeldes. Ali só havia as cobaias. Sentia-se enjoada de vê-las. — Esse governo é monstruoso, tenho cada vez mais nojo de todos eles — virou-se para Alexandre, que observava uma bancada com várias seringas e outros equipamentos de corte. Ele parecia pensativo e mantinha uma mão sobre a orelha que estava fora do campo de visão de Aline. — O que foi? — chegou mais perto dele.

— Nada — balançou a cabeça em negativa. — Vamos? — apontou para a saída.

Aline respirou fundo e concordou. Por mais que não acreditasse que sairia viva dali, tentou se agarrar à possibilidade de existir uma chance, na verdade tentava se convencer de que poderiam viver, por mais que algo continuasse a puxando para baixo. Pensava em Denis e Leonel para ter esperança, mesmo a razão lhe repetindo que não daria certo. Deu passos em direção à saída e ainda parou diante do tubo cilíndrico onde a mulher continuava a se afogar repetitivamente. Tocou o vidro e estreitou os lábios. Pelo menos ela também morreria, dando fim ao sofrimento eterno.

Com mais um passo, o chão tremeu, e precisou se escorar ali para não cair. A noção de que os bombardeios tinham começado diminuíram ainda mais sua esperança. Mais uma vez, segurou o choro. Precisava pelo menos tentar ir firme até o final.

No entanto, ao endireitar o corpo para prosseguir com a fuga, sentiu uma dor muito forte vinda da cabeça, como se houvesse recebido uma pancada. Não soube o que aconteceu, não viu mais nada. A escuridão a dominou no segundo seguinte antes mesmo do corpo chocar-se contra o piso da sala.

Se ainda estivesse consciente, a única coisa que ouviria seria a respiração acelerada de Alexandre, que voltava a colocar a mão sobre a orelha, ligando o comunicador.

País Corrompido [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora