O outro dia...

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Amarrei o cadarço do tênis um no outro e os pendurei em volta do meu pescoço. Calma! Eu não iria me matar, só precisava das mãos livres para enxugar as lágrimas teimosas que escorriam pelo meu rosto. Andei por aproximadamente dez minutos, parei, respirei fundo, sentei-me numa calçada de frente para um portão alto. Muro de pedras. Encolhi as pernas, abraçando os joelhos com as duas mãos. Senti-me tão menor do que eu era. Eu tinha apenas dezessete anos e o mundo parecia ter aberto um abismo embaixo dos meus pés e estava me tragando aos pouquinhos. A rua deserta me fez lembrar dos meus preciosos momentos de melancolia, mas naquele instante, o que eu sentia era medo, muito medo daquela dor se instalar dentro de mim e nunca mais deixar eu ver novamente as cores da vida.

Meu celular tocou. Tirei-o do bolso da bermuda. Número privado. Só uma pessoa me ligaria de um número privado. Rafaella! Não atendi, guardei o celular novamente no bolso da bermuda, deixando-o tocar sem parar. Levantei-me, andei mais um pouco até chegar numa rua mais movimentada. Logo peguei um táxi para ir pra casa. Seria mais sensato ir para casa. 

Quando cheguei, minha mãe assistia TV na sala, meu pai na outra poltrona parecia desmaiado. Passei por eles como um furacão e fui direto para o banheiro, precisava tirar do meu corpo o cheiro de Rafaella que estava impregnado em mim, pena que não dava para fazer o mesmo com as lembranças que ela deixou na minha cabeça. Seus olhos, o toque gostoso das suas mãos, sua boca deliciosa... Eu pensava e abria o chuveiro ainda mais, deixando aquela água gelada passear pelo meu corpo dando a impressão de que subia fumaça quando ela caminhava pela minha pele quente de desejo ainda. Terminei de me enxugar no meu quarto. No telefone que eu havia jogado sobre a cama quando passei para o banheiro, estavam mais três chamadas não atendidas número privado também. O telefone da sala tocou e eu fui de mansinho ouvir minha mãe atender.

— Alô? – minha mãe perguntou – Sim, ela acabou de chegar, está tomando banho. Quer deixar recado? Aviso sim, mas não prefere deixar seu nome e seu telefone? Ela retorna quando sair do banho. Está bem, então. – desligou.

— Quem era, mãe? – perguntei já sabendo a resposta.

— Não disse o nome, filha. Era uma moça querendo saber se você já tinha chegado.

— Deve ser uma amiga. Boa noite!

— Boa noite, filha! Não vai comer nada?

— Estou sem fome. – respondi e voltei para o meu quarto.

Deitei na cama e rolei pra lá e pra cá a noite inteira. Não consegui pregar os olhos.


[...]

Cheguei no colégio no outro dia com a cara de quem tinha vindo direto de um velório, sabe quando a gente fica impressionada quando vê uma pessoa deitada num caixão? Pensamento mórbido. Esquece!

Maldita hora que passei pela sala dos professores, todos estavam em volta de Rafaella e queriam ver o lindo anel de noivado que ela exibia na mão direita. Fiquei parada olhando, se Aristóteles tivesse me visto naquele momento, diria que eu estava ali porque gostava de me torturar. Não sou masoquista se querem saber, a questão é: fiquei tão frustrada com aquela cena que não consegui mesmo sair do lugar. Os professores elogiando o anel, desejando felicidades... Ela sorria de vez em quando para agradecer um elogio e outro... Estava feliz? Depois de ter feito tanto sexo comigo na noite de ontem, ainda teve coragem de ficar noiva daquele paspalho? O que eu fui pra ela? Uma distração?

Para mim, Rafaella fora tudo o que eu tinha sonhado na vida, na verdade, pra ser mais sincera, eu não tinha sonhado com tanto, meus sonhos foram bem mais humildes. Acho que Rafaella pressentiu que alguém estava observando-a. Ela estava de costas para mim, virou-se de repente e me viu na sua frente. Foi coisa de segundos, entendem? Nos olhamos, eu coloquei a mochila nas costas e caminhei em passos apressados em direção ao banheiro que ficava no final do corredor. Quando me dei conta, já estava escolhendo uma das cinco portas a minha frente e apoiando as costas numa delas. A mochila caiu das minhas mãos, na verdade, não sei se caiu ou se eu a larguei, mas tudo bem, isso não importa já que lá estava ela, como um cadáver estirada no chão frio. O que dizer do meu estado de espírito hoje? Não digam nada, só tentem sentir o que estou sentindo, posso garantir que não é nada que inspire a vida. Bom, eu já estava de saco cheio das minhas lágrimas, como que pode a gente chorar daquele jeito? Elas caíam pelo meu rosto sem que eu pudesse impedir.

“Mas que droga!” – pensei. Nem me importei com os olhares curiosos de algumas meninas que ali estavam. Deu foi vontade de mandá-las para o inferno! Quem é que nunca chorou por amor? Nenhuma delas estava preocupada com a minha dor, na verdade, estavam curiosas para saber por que eu estava ali me debulhando em lágrimas. O sinal tocou para a minha felicidade e todas saíram. Não fiquei sozinha por muito tempo, menos de dois minutos Rafaella entrou e ficou parada me olhando como se não soubesse o que me dizer. Senti raiva daquele olhar piedoso.

— Vai embora! – pedi com a voz hesitante.

— Por favor, não fique assim... – pediu com a voz doce.

— Quer que eu te dê parabéns também? – segurei sua mão, olhei o anel que estava no seu dedo – É lindo! Espero que seja feliz com o seu príncipe encantado! – completei irônica. E completamente sem forças para continuar com aquela ironia. Abracei-a tão forte, a mesma não relutou como de costume. O abraço dela era tão confortável. O cheiro dos seus cabelos molhados me faziam perder o chão. Ela podia ter o que quisesse de mim, mas não queria nada. Fitei seus olhos por um instante, não dava mesmo para ler o que eles diziam ou seria porque os meus estavam embaçados de tanto que eu tinha chorado? Passei de leve meu dedo pela linha dos lábios dela, eles estavam tão frios. Aproximei os meus para beijá-los, mas Rafaella não permitiu.

— É melhor parar por aqui. – falou.

— Acha mesmo que não podemos dar certo? – perguntei sussurrando em seu ouvido.

— Sábado que vem ficamos ainda mais distantes uma da outra.

— Por quê? – perguntei temerosa.

— É meu aniversário de vinte oito anos, Bia! – agora ela quem fitava meus olhos – Vão deixar de ser dez anos de distância para serem onze...

— É isso o que te incomoda? Deixa de ser covarde, Rafaella! – exclamei decepcionada.

— Pra você tudo é muito fácil. – desvencilhou-se do meu abraço, senti até frio – Você é uma criança e tem ilusões que uma mulher na minha idade não cultiva mais. O mundo real é muito cruel, Bia. Nossa sociedade é cruel, as pessoas que se dizem nossas amigas são cruéis, nossas famílias são cruéis... – passou as mãos no rosto, aflita – O que acha que vão dizer de nós?

— O que irão dizer de nós não importa, ninguém pode ser feliz por ninguém, Rafaella. – segurei seus braços – Em que mundo você vive? Num mundinho tão pequeno que não tem lugar para esperança? Onde as pessoas se preocupam com o que as outras vão achar e jogam a própria felicidade no ralo? No meu mundo existe felicidade, sabia? E sonhos... E eu sonho com você todos os dias... E a gente é feliz! Porque deixamos essas pessoas mesquinhas mandarem na gente?

— Eu não estou preparada para enfrentar nada! Teoria é teoria. Prática é prática. – respondeu friamente.

— Então vai embora! Se eu chorar ou se eu sofrer, não é da sua conta! – soltei seu braço – E também não precisa ligar para minha casa tarde da noite para saber se eu cheguei. – peguei minha mochila no chão – Mais uma coisa, espero que você consiga fazer o Rodolffo feliz porque ele, tenho certeza que não vai te fazer feliz. – bati a porta ao sair.

Suddenly It's Love | História Rabia.Onde histórias criam vida. Descubra agora