Domingo I

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Eu, Aristóteles e Mariana fizemos um passeio pelo Rio. Fomos ao Corcovado. A cidade fica tão inofensiva olhando-a lá de cima, parece até caber na palma da mão, palavras de Mariana. Ela também queria conhecer o Maracanã. Iríamos assistir ao jogo Flamengo x Vasco, mas formou-se uma guerra: eu Vascaína, Aristóteles Flamenguista e Mariana Palmeirense. Ela não tomou partido de ninguém, por isso, desistimos do jogo e fomos comer pizza em um restaurante aconchegante e delicioso que tem em Ipanema. Porque não Copacabana? Que nada, Ipanema é muito melhor! Posto 9, Farme de Amoedo. Ainda não entenderam? É a praia LGBTQI+ do Rio. O dia havia sido maravilhoso. No fim da tarde ficamos na areia olhando o pôr-do-sol. Era romântico e a todo instante eu pensava em como seria bom se Rafaella estivesse comigo. Num desses meus momentos de reflexão, Mariana segurou minha mão.

— Quer namorar comigo? – perguntou em tom de brincadeira.

Sutilmente desvencilhei minha mão da dela e a coloquei no joelho.

— Estou apaixonada por outra. Você sabe...

— Eu vou embora daqui a alguns dias, Bia! – me interrompeu – Queria que pudéssemos aproveitar esse tempo.

— Não estou com cabeça para me envolver com outra pessoa.

— Só um beijo, pode? – perguntou com um sorriso nos lábios.

— Não devemos.

— Por quê? Você pelo que sei é livre, eu também sou. Então...

— Quem disse que sou livre? Eu amo a Rafaella! – respirei fundo – Desculpa a sinceridade, é que...

Mariana pôs o dedo indicador nos meus lábios impedindo que eu terminasse minha justificativa. Seu rosto estava tão próximo do meu, eu podia ver com nitidez o a mistura entre o castanho e o verde dos seus olhos, naquele instante, eles estavam inconfundíveis. Ela fechou os olhos e quase encostou seus lábios nos meus, teria encostado se eu não tivesse virado o rosto. Não sei o que me deu, foi passando uma série de imagens na minha cabeça e entre elas, estava o sorriso de Rafaella. Aí não deu. Eu não faço as coisas só por fazer e beijar Mariana naquele instante, estava fora de questão. Eu não me sentia atraída por ela, pelo menos não naquele dia, não naquela praia. Ela abriu os olhos e me olhou deveras decepcionada.

— Mariana...

Me interrompeu novamente.

— Não precisa dizer mais nada. – falou – Eu entendo. – se levantou de sobressalto – Vocês se incomodam se formos embora?

— Não. – Aristóteles e eu respondemos juntos e ele me olhou, balançou a cabeça com aquela cara de quem queria me dizer: “Sua idiota! Estragou tudo!”.

Fomos caminhando os três lentamente pela areia. Mudos, completamente mudos.

[...]

Cheguei em casa lá pelas dez da noite. Meu pai e minha mãe estavam na sala assistindo TV, isso não era novidade. Eles nem perceberam que eu havia chegado. Fiquei olhando-os por alguns minutos. Acho que fiquei ali uns dez minutos e o que mais chamou minha atenção, foi o fato deles não trocarem uma palavra sequer nesse período, pareciam dois estranhos. É isso que acontece com os casamentos? O tempo passa e as pessoas se aturam simplesmente? Eles pareciam tão distantes um do outro, mesmo estando sentados no mesmo sofá. O que será que passava nas suas cabeças naquele momento? Acho que nem estavam prestando atenção na TV, deviam estar refletindo sobre suas vidas e mesmo que estivessem infelizes, nenhum dos dois admitia, se pelo menos um tomasse uma atitude de dizer ao outro o que estava sentindo, talvez eles pudessem ao menos conversar. Será que isso é ser adulto? Se enterrar nos problemas, não dizer uma palavra à pessoa que dorme com você todas as noites, não sorrir nunca... Tá aí, um exemplo que não quero seguir.

Bati na porta para chamar atenção.

— Isso são horas, menina? – meu pai perguntou.

“Deixa de falsidade! – pensei.

— Sempre cheguei nesse horário e o senhor nunca falou nada. – respondi.

— Aposto que estava com uma dessas suas amiguinhas delinquentes.

— Como? – ri sarcástica – Que termo mais antiquado, pai. Desde quando as pessoas são delinquentes por ter coragem de viver?

— Você chama de vida o que você leva? – se irritou.

— Para tudo! – o olhei aborrecida – Porque o senhor não para de tomar conta da minha vida e olha pra sua? Olhem pra vocês dois... – olhei para minha mãe neste momento – Parecem dois estranhos nessa casa. Quando foi a última vez que se beijaram? Que saíram para jantar fora, ir ao cinema? Sei lá, fazer alguma coisa só vocês dois? Sempre que eu chego nessa casa, estão sentados de frente pra essa droga de televisão completamente mudos. Parece que ficam só esperando eu chegar para me dar uma bronca daquelas. Estou vivendo, pai, vocês, estão morrendo.

— Não fale assim comigo, menina! – se alterou – Quem você pensa que é para vir falar essas coisas descabidas para nós?

— Quem eu penso que sou? – ri ainda mais debochada – Eu sou alguém que está assistindo vocês dois envelhecerem. Só tomam conta da minha vida e esquecem de viver a de vocês. Pai, levanta desse sofá! Leva a mamãe para sair. A noite tá linda lá fora! Quantos anos vocês têm? Cem? O senhor tá garotão ainda, tem quarenta e três, mamãe tá gatinha com quarenta e um. Vocês deviam estar tomando água de coco na praia ou podiam ir pra um motelzinho esquentar o casamento.

— Bianca! – minha mãe exclamou horrorizada – Vai já pro seu quarto agora! Você está de castigo.

— Estou de castigo? Que bom, eu já ia dormir mesmo.

— Você não tem jeito mesmo, não é menina? – meu pai perguntou.

— Vocês são engraçados. Vivem dizendo que não toleram as mentiras dos filhos, mas quando dizemos a verdade, ficam assim, cheios de atitude. Tá bom, tá bom, retiro o que eu disse, o casamento de vocês está lindo, vocês não caíram na rotina, e a TV, nossa! O programa que está passando é muito animado.

— Obedece a sua mãe, vai pro quarto!

— Estou indo, sargento! – ao sair, ainda bati continência. Isso os deixou ainda mais irritados. 

Suddenly It's Love | História Rabia.Onde histórias criam vida. Descubra agora