Meu Cam Boy

8 Burro

Matheus 

Entrei no laboratório vendo Fabrício escorado na bancada, examinando algo e fazendo cálculos com o celular. Vi a placa de petri aberta, mas mesmo assim cheguei atrás dele e coloquei o livro fedorento da Bia sobre a bancada. Ele se afastou com o susto e aproveitei para rir enquanto ele não fechava a cara.

⸻ Você acabou de contaminar a minha amostra! Puta que pariu, o que você quer?

Me inclinei na bancada ⸻ Amostra de quê? Você não tá na lista do laboratório hoje...

Ele fechou tudo, deixando de lado e me encarou ⸻ O que você quer? ⸻ repetiu.

Ergui as sobrancelhas apontando com a cabeça para o livro. E só então, ele olhou a carcaça fedida de "Os grandes julgamentos da história" e fez careta balançando a cabeça negativamente.

⸻ Ah não cara... Me diz que não fez isso...

Fechei um olho, envergonhado, sabia que tinha falado merda sobre limpar o livro, mas, ela já havia me devolvido a blusa, que outro motivo eu teria para falar com ela sem ser muito estranho? Na hora só pensei que ter algo que ela iria querer de volta fosse o melhor, então... agi sem pensar muito bem no que eu faria depois.

⸻ Sem julgamentos, cara, preciso de soluções, eu sou o cara das soluções. E aí o que me diz?

Ele tirou as luvas e pegou a capa dura com a ponta dos dedos, folheou até o lugar da catástrofe e naquele momento, o cheiro estava de chorar de tão azedo.

⸻ Caramba... Como ela conseguiu? ⸻ disse quase pensando alto com cara de nojo, mas viu minha cara de desaprovação  e pigarreou antes de continuar ⸻ Meu diagnóstico como bioquímico é...

Me irritei com o suspense ⸻ O que? Fala logo, dá pra limpar?

Ele revirou os olhos ⸻ Math... Você é o cara mais inteligente que eu conheço, eu sei que você sabe que isso aqui é lixo. Desculpa, mas essa garota, deixa você...

Engoli em seco e baixei os olhos ⸻ Louco, eu sei... ⸻ Suspirei e senti sua mão em meu ombro.

⸻ Eu ia dizer burro, mas serve também. Dá um jeito nisso, tá? Para de tratar ela como se ela fosse de porcelana, ou uma garotinha de fundamental. Ela é adulta, uma adulta que já é muito capaz de saber que esse livro, já era!

Pela primeira vez, ouvi algo que fez sentido para mim, eu estava mesmo subestimando a Bia, mas ela parecia tão inocente, e a forma como ela se abriu para mim, as coisas e o jeito como ela me contou sobre seu relacionamento... Sete anos... Ela ainda devia ser uma criança, eu era quase uma criança, sete anos atrás... Eu não esperava por aquilo, talvez fosse por isso, ela nunca conheceu nada diferente do ex-namorado...

Fabricio podia dizer tudo aquilo, mas se a conhecesse, entenderia. Ela era adulta, mas não era o tipo que eu costumava ver. Eu sei, parece horrível e clichê para um caralho. Mas a Bia, realmente não era como as outras, tinha algo nela que era como... Como uma semelhança comigo. Se por um lado eu duvidava muito de que tivéssemos mesmo vivido algo parecido, uma parte de mim, imaginava que as reações dela quanto a minha vida fossem diferentes das reações de qualquer pessoa.

⸻ Ei, Math?

Despertei com ele me chamando.

⸻ Ah tá... Eu sei de tudo isso cara, mas tenta entender...

⸻ Posso te dar um conselho?

Arregalei os olhos e sem ter escolha, assenti.

⸻ Chama ela pra sair. Acaba logo com isso, pessoas comuns se pegam, se for bom, marcam de se pagar de novo, e assim vai. Ficar nessa lenga-lenga de quinta série vai acabar te dando calo na mão.