Uma Nova Vida Para Amy

Vinte e Um:

"Depois de longos quatro dias, finalmente poderei voltar para casa e fugir do desprezo deste homem a  quem chamo de marido" foi a primeira coisa pensada por Amelie quando sentou-se no apoio de madeira da carroça, prestes a partir do centro de Grace Ville.

A preciosa harmonia conjugal tão estimada pela moça havia ruído e se desfeito em mil pedaços. Ela ainda era capaz de ouvir a voz grave do marido reagindo com fúria aos seus termos propostos referentes a vida a dois e levou algum tempo de profunda reflexão até chegar a conclusão de que Sr. Thomas, ao contrário dela mesma, não encarou o enlace como um simples acordo. Além de ficar extremamente ressentida pelo modo com o qual foi destratada, Amelie ainda se perguntava como seria sua vida a partir daquele ponto, principalmente após assistir Nathaniel colocando em prática seus planos de desprezá-la.

Também se lembrou com horror como foi sua estadia na hospedagem enquanto aguardava pela retirada da neve das estradas ao lado de alguém que certamente a odiava.

Nathaniel tratou Amelie na base do absoluto silêncio. Ela também não o procurou em momento algum, pois sentia medo constante de vê-lo mudar de ideia repentinamente e assim cobrar dela os seus direitos de marido quanto a consumação do casamento. Diante disso, a jovem só conseguia ficar realmente tranquila quando o via deixando o quarto pela manhã bem cedo, ocupando-se em oferecer seu auxílio, consertando coisas para o dono estalagem durante o dia todo. Ela também preenchia suas longas horas vagas pensando, lendo livros velhos encontrados em uma estante empoeirada qualquer ou saía por alguns minutos para curtas caminhadas pelos corredores e logo voltava aos aposentos. Quando a noite caía, ela ia se deitar e esperava igualmente receosa pelo retorno do marido. O simples girar da maçaneta lhe estimulava a fechar os olhos com força, forjando um sono falso e até exagerado. Contudo, para o seu alívio, Sr. Thomas não a incomodava, pois, logo que chegava, acomodava-se perto da lareira acesa e, cansado do dia, logo dormia profundamente.

Apesar do clima terrível entre os dois, Amy precisava admitir que não passou dificuldades. Em sua cabeça, Nathan podia odiá-la com todas as forças, mas ainda se preocupou o bastante para cuidar de suas necessidades, mandando pontualmente suas refeições no quarto e checando seu estado através das empregadas durante o dia. Mesmo assim, era terrível não ter com quem conversar e o tédio já torrava seus nervos.

Por isso, quando Nathaniel rompeu o silêncio a fim de anunciar a partida, ela não pensou duas vezes em arrumar suas poucas coisas, despedir-se dos servos e, animada, saiu às pressas com o marido daquele lugar sufocante.

Eles seguiram caminho e Amelie sentiu logo os efeitos do frio intenso das ruas desertas e esbranquiçadas, mesmo com as precauções do marido, provendo alguns cobertores para ela. Seu corpo logo começou a tremer e ela passou a se questionar se deveria interromper os pensamentos de Sr. Thomas, uma vez que toda sua concentração mantinha-se na estrada. O homem não parecia nada feliz e a culpa era toda dela.

Passou a ponderar novamente sobre seus próprios atos no coração e sentiu raiva de si mesma por não ter enxergado a verdade antes.Talvez se não tivesse agido de modo tão egoísta, poderia ter enxergado as verdadeiras intenções do homem ao seu lado e assim conversado francamente com ele quanto as suas próprias expectativas para a união de ambos. Isto é, antes de ter estragado tudo.

"É tarde demais para consertar esta situação desagradável. Este casamento jamais dará certo" Amy pensou ao constatar que se Nathan não conseguia sequer olhá-la nos olhos, certamente a odiava muito e não iria perdoá-la tão cedo.

Ela ainda refletia enquanto lutava bravamente contra a baixa temperatura já castigando-a sobremodo. Apesar de se esforçar, não conseguia aquecer-se de modo algum e temia que não lhe restavam opções a não ser notificar e pedir alguma direção do marido. A moça virou-se discretamente em direção ao rapaz e ameaçou tocá-lo.