Vinte e Três:

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Da janela daquele grande quarto onde Amelie ficou confinada durante semanas terríveis, convalescendo em sua doença, ela observou o horizonte praticamente todo coberto por uma camada espessa de neve. As árvores padeciam sem vida e o rio que circundava todos os vales da região também se encontrava congelado. Um cenário triste para uma jovem moça amante do fragor e frescor das flores da primavera, mas também harmônico com sua alma tão desolada e amargurada.

Embora o coração da jovem Amy estivesse grato a Deus pela saúde reestabelecida, ela, apesar do esforço, não se sentia nada feliz com sua nova vida. Era constantemente confrontada pelas lembranças dos dias anteriores quando não só fora severamente ofendida por aquela tal Mary Johnson como também padeceu esmagada pelo peso de seus pecados em ouvir o marido defendendo-a tão justamente e em seguida mostrar com um simples olhar o quanto a odiava.

Desde então o pequeno avanço obtido com as constantes leituras bíblicas e devocionais foram por água abaixo, pois Sr. Thomas retornou ao estado onde optava ignorá-la completamente á feri-la com seu profundo ressentimento. Quando constatou a melhora de saúde da esposa, o marido desistiu de lhe fazer companhia e no máximo, lhe dirigia uma palavra ou duas, procurando saber do seu estado, logo abandonando e deixando-a completamente sozinha.

Ser tão desprezada assim e ainda ter sua reputação difamada tão injustamente em Grace Ville levou Amy a ter saudades de casa. Naquele momento de tristeza, sentiu o coração pulsar mais forte, principalmente quando fechou os olhos e se viu nos jardins da mansão LaBelle, tomando chá, na boa companhia de sua melhor amiga Katherine Stevens enquanto ouviam os relatos e conselhos de Madame Bovary, sempre tão querida.

Ah! Como desejava voltar á sua antiga vida! Como sentia falta do ânimo alegre, das tardes felizes onde não precisava se preocupar o tempo todo com sua postura de mulher casada ou como agradar um marido amargurado.

Na verdade, por incrível que pareça sentia até mesmo a ausência de seu pai turrão, não completamente, apenas das conversas onde os dois costumavam a falar aspectos e características de sua doce mãe. Das incansáveis discussões, onde Sr. McKlain contestava seus intentos de sempre querer ajudar a todos os necessitados, Amy não sentia falta alguma. E pensando nos que sofrem, acabou por lembrar-se dos órfãos do orfanato São Marcos a quem dedicou tantas horas lendo histórias, contando os feitos de Cristo e ensinando os pequeninos a ler.

Como estariam todos? Teria aquele ganancioso Sr. Drake construído suas ferrovias por cima do orfanato? Ela precisava saber.

Sentou-se na cadeira e apoiou-se na escrivaninha de madeira próxima a janela. Aproveitando a presença de alguns materiais na superfície de madeira passou a redigir uma longa carta direcionada a Kate contando alguns acontecimentos importantes, tal como sua conturbada chegada à cidade e o evento de seu casamento, o qual Srta. Stevens certamente já deveria saber, é claro. Contudo, procurou omitir ao máximo as circunstâncias em que se deu o enlace e os constantes conflitos com o marido. 

“Esse não é um fim irônico para uma jovem que desejava servir a Deus como solteira para sempre? Casei-me com Sr. Thomas. Ele não é de todo ruim. É um homem muito honrado, aliás. E sim, se interessa pelo meu bem-estar, mas não me ama, talvez nunca me amará...”

Quando escreveu o ultimo trecho da carta, as lágrimas inundaram seus olhos e escorreram copiosamente por suas bochechas, impedindo-a de prosseguir com sua escrita. Em prantos e abalada, decidiu não expor nada daquilo à amiga. Seria melhor se todos em Bridgestown pensassem que seu casamento era bem sucedido e ela vivia feliz, sem sofrer constantes humilhações. Amargurada, amassou o papel com força e ficou apenas com a primeira parte da carta onde pedia notícias de todos. Logo após, preparou o envelope, escreveu todas as informações necessárias para a entrega e foi em busca de alguém que pudesse lhe ajudar no intento de enviar ao destinatário.

Ainda era cedo e pelas risadas provenientes do andar inferior, Amy concluiu que seu marido ainda não havia saído para o trabalho como costumeiramente o fazia. Estranhando o bom-humor de Sr. Thomas, dispôs-se a ir verificar qual o motivo para tantas risadas matinais.
Chegando ao corredor que levava a cozinha, viu de relance Sra. Simons servindo café em uma xícara para o belo fazendeiro. Até fez menção de entrar, pois não queria causar confusões com sua curiosidade, como fora da última vez, contudo, lembrando-se de todo o sofrimento trazido ao pobre Nathaniel, preferiu não interromper aquele raro momento de descontração.

Uma Nova Vida Para Amy Onde histórias criam vida. Descubra agora