Capítulo 18

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+ Maria +

Isso não pode estar acontecendo.

Estou me tornando pouco a pouco a pessoa que eu mais temia me tornar.

Mas porra, tem a própria máfia russa correndo atrás de mim. Vim para um intercâmbio não somente para estudar, mas também para tentar fugir das merdas do meu pai. Agora parece que a cada passo que eu dou me atolo mais ainda na minha própria bosta.

Posso não ter admitido mas fiquei mau quando o russo, vulgo Petrova, me chamou de Falcão II. A expressão de choque que a Giovanna fez ao descobrir quem sou, de alguma forma me deixou irritada.

Eu não sou igual meu pai. Jamais serei.

Porra, eu nunca fiz nada de mal a ela, por mais que eu queria as vezes.

Ouço batidas na porta e as ignoro. Não quero discutir agora, principalmente com a Giovanna que não consegue apresentar ao menos um argumento sem desatar a chorar.

As batidas na porta continuam insistentemente até eu perder a paciência e abri-la.

— O que você ganha me incomodando, Giovanna?

— Peguei suas facas da porta. Aquilo estava perigoso. — ela me entrega uma porção de facas.

Lembro-me de quase ter lhe acertado uma quando ela abriu a porta bem na hora da minha seção de relaxamento. Costumo atirar facas quando estou com a cabeça cheia.

Pego-as e tento fechar a porta porém ela coloca o pé na frente.

Caralho, ela não para de encher o saco que eu não tenho.

— O que você quer porra?

— Por que você está assim? Por que você sempre é tão grossa comigo?

Ah faça-me o favor. Se eu me preocupo ela reclama, se faço o contrário ela reclama da mesma forma.

— Vá tomar naquele lugar Giovanna.

Não me julguem, já estou perdendo a paciência.

— VOCÊ TORTUROU AQUELE CARA MARIA! — ela grita e eu abro um sorriso sarcástico.

Respira. Inspira. Não pira. Vi um pôster falando isso no Brasil, estou precisando disso agora para não perder a cabeça com essa italiana insuportável.

— Sim, eu o torturei. Quer detalhes?

Continuo respirando fundo. Ela não voltaria a olhar na minha cara se realmente soubesse os detalhes.

— Não precisa gastar sua saliva. O próprio Mikhail me deu os detalhes.

Porra. Eu vou matar o Lucca por não ter matado aquele filho da puta.

— E por que você ainda está aqui? Sou um monstro, não é? — digo sarcástica.

Não é só ela que pode ser dramática aqui.

— Você quer que eu vá embora Maria? Por que você nunca confia em mim?

Mas que porra, pra que tantas perguntas? Eu só queria sumir dessa realidade de merda. Só queria que todos esses problemas desaparecessem. Só queria voltar à ter 10 anos e não ter ido me hospedar naquela merda de hotel com a minha família.

— PORQUE EU NÃO SOU DO BEM, PORRA! — grito. Não aguento mais segurar isso pra mim — Todos que chegam perto de mim morrem, Giovanna. Todos que confiam em mim saem de alguma forma machucados.

Uma lágrima traiçoeira escapa do meu olho, mais que depressa a seco.

— Maria. — ela coloca a mão em meu ombro — Deixe-me te ajudar.

— Você não pode me ajudar.

Tem um puta nó na minha garganta que está impedindo minha voz de sair correta.

— O que aconteceu com você?

Essa é a pergunta que eu venho evitando por anos. Não quero responder, mas preciso. Talvez assim esse nó horrível em minha garganta desate.

— Quer um conto de fadas, Giovanna? Era uma vez uma garotinha feliz, que foi passear com sua família quase perfeita em um hotel localizado dentro de um parque numa região rica do Rio de Janeiro. Essa família não tinha muito dinheiro, mas tinha o suficiente para pagar o check-in do hotel, infelizmente nem todo mundo sabia disso. — outras lágrimas escapam dos meus olhos e eu as seco — Meu pai saiu para resolver algo na rua e ficou eu e minha mãe dentro do quarto desse hotel. Escutei um estrondo e quando vi a porta já estava no chão. Entraram dois seguranças armados, um deles começou a rodear o quarto enquanto o outro espancava minha mãe na minha frente. Eu vi o rosto dela se desfigurando pouco a pouco. — nessa hora não consigo segurar minhas lágrimas, porém não me importo mais — Ela implorava para ele parar, eu tentei o empurrar com toda minha força, mas de nada adiantou. Ele só parou quando o outro homem chegou no lugar onde ele estava. Esse homem apontou sua arma para minha cabeça e — minha voz fica embargada — minha mãe grita meu nome. O homem acha graça e vira a arma na direção da minha mãe. Um tiro. Um único tiro em sua cabeça e a vida dela se esvai por completo. Os olhos sem vida dela me olhando ainda me assombram como uma maldição. Gritei por ela naquela hora, estava desesperada. Eu sabia que era para ter sido eu e não ela. O mesmo homem volta à apontar sua arma para minha testa e quando ele ia atirar, meu pai chega pulando em cima dele. Ele começa a soca-lo desesperadamente, o outro homem chega por trás e atira no ombro dele. Meu pai virou de uma vez e atirou em sua cabeça. O homem caiu morto bem ao meu lado e o meu pai, mesmo com o braço perfurado, continuou socando o assassino de minha mãe até ouvir um barulho na porta e resolver atirar nele. Meu pai me pegou no colo e correu em direção à saída. Os seguranças do prédio começaram a atirar contra ele. Pelo menos três tiros o acertam mas somente um acertou em um órgão vital, tiro esse que atravessou sua barriga e acertou meu quadril. — levanto minha blusa e mostro minha cicatriz em relevo a ela — Felizmente conseguimos sobreviver mas minha mãe... — minha voz falha e eu não consigo mais falar.

Giovanna me abraça e eu retribuo. Não aguento mais passar por isso. Não aguento mais os pesadelos constantes que eu tenho com minha mãe.

Desde aquele fatídico dia meu pai não é mais o mesmo. Nunca mais vi um sorriso realmente sincero vindo dele. Ele não tem mais o brilho no olhar. Vive focado no trabalho mesmo isso o colocando em risco. Parece que ele gosta do perigo como se isso fosse uma forma menos voluntária de tirar sua própria vida.

— Eu sinto muito. — a Giovanna está chorando mais que eu.

Merda, eu odeio chorar mas eu não estava mais aguentando. Meu pai não pode nem sonhar que estou assim.

Desde que minha mãe morreu ele vem me ensinando a ser forte. Ele me treinou para ser a melhor e assim serei.

Treinei todos os dias desde então como uma forma de aliviar a dor, como se a dor física pudesse aliviar o que eu estava sentindo. Estaria mentindo se dissesse que deu certo.

— Tudo bem, já teve o que queria? — seco minhas lágrimas.

— Me desculpe. Eu realmente não sabia que era tão ruim assim.

— Não tinha como você saber. Mas tudo bem, já passou.

Venho falando isso para mim mesma todos os dias.

— Você sabe que pode confiar em mim, Maria.

Ela continua chorando mesmo depois de me recompor.

— Se você falar algo sobre o que aconteceu aqui para alguém, eu costuro sua boca e explodo seus ouvidos.

Volto para o meu quarto e fecho a porta. Preciso organizar minhas ideias mas isso é difícil quando só se tem coisas horríveis se passando em sua cabeça. Tento dormir mas sou atormentada por pesadelos.

♤♧♤♧

Um pouco mais sobre o passado da Maria
Tem um olho em minhas lágrimas


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Alopradas [Reescrevendo]Onde histórias criam vida. Descubra agora