1. Anabel

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Seis meses.

Fazem exatos seis meses que meu marido se matou. Ele cometeu o suicídio depois de me atirar pelas escadas de onde morávamos, por sorte eu sobrevivi, apesar de passar alguns dias em observação.

Sofri todo tipo de abuso nas mãos dele.

Eu me culpei por muito tempo depois de sua morte, até entender que estava aliviada por não precisar me esconder para os olhos roxos e hematomas pelo corpo não serem vistos.

Tentei denunciar algumas vezes, mas na quinta tentativa, ele ameaçou minha família, então eu apenas aceitei e me calei.

Eu sei, minha história tem um começo bastante negativo, mas não é mais assim, ou não tanto.

— Que cara de enterro é essa?!

Olho para a porta, vendo minha melhor amiga, Elena Dawson, fechar esta atrás de si.

— A mesma de sempre – respondo, sem vontade.

— Eu estava contando com sua presença em uma balada hoje, Joe ficou super empolgado.

Joe McCall também é nosso melhor amigo, o que nos torna um trio insano. Os dois são loucos, e eu já fui, há ponto de me casar aos dezoito anos.

— Sem chance, Elle.

— Por que?

Sua resposta vem logo depois, quando um pacotinho se aproxima, coçando os olhinhos, com os cabelos ruivos claríssimos espalhados por todo lado.

— Mamãe, eu quero cereal colorido. – Pede, sem ao menos acordar direito.

— Onde estão seus modos, Alicia? – Questiono. — Temos visita.

Ela levanta os olhinhos claros para a morena ao meu lado, a estudando.

— Bom dia, madinha.

Vejo o exato momento em que Elena se derrete toda, enchendo a pequena de beijos. Ela adora ser chamada assim.

— Sou capaz de te dar a lua se me chamar assim, Alicia.

Minha filha ri, manhosa, mas me olha logo depois.

— Agora posso comer cereal colorido?

— Claro, mas vá lavar o rosto e escovar os dentinhos como a mamãe ensinou. Chame seu irmão também.

Ela sai toda feliz, então dou a volta na bancada e começo a preparar o café da manhã dos meus filhos.

Noah e Alicia, as razões da minha vida. Eles são tudo para mim, as únicas pessoas que me fazem rir como a Anabel de antigamente.

— Você é uma ótima mãe, Ana.

Olho para Elle, vendo-a sorrir com as mãos apoiadas no rosto.

— Obrigada. – Sorrio. — Faço o meu máximo.

Os gêmeos vieram em péssima hora, mas os amei desde o começo, mesmo quando a bomba caiu no meu colo. Nunca passou pela minha cabeça que eu seria mãe de dois, mas aconteceu, então meus pais prepararam um casamento com o pai deles a pedido dos meus antigos sogros. Se não fosse pelas crianças, eu teria definhado sozinha.

Alicia volta segurando um elástico rosa, estendendo-o para mim.

— Me ajuda, mamãe?

Meu coração infla de tanto amor, viro-a de costas para mim e prendo seus cachos curtos em um coque confortável. Ela se senta em uma das cadeiras e me espera colocar o leite na tigela.

Procuro Noah com os olhos, rindo ao vê-lo grudado em Elena. Ele é apaixonado por ela, simplesmente a ama.

— Desça do colo dela, espertinho – digo, mas ele nem se move. — Agora, Noah. Já fiz seu cereal.

Então ele obedece, mas não tira os olhinhos dourados dela para nada.

— É difícil não me amar – se gaba, piscando para mim.

Reviro os olhos, mesmo concordando mentalmente. Elena Dawson é uma mulher incrível, espirituosa e gentil, mesmo sendo irracional. A melhor amiga que alguém poderia ter.

×××

— E então... balada mais tarde? – Ela tenta pela milésima vez.

— Não estou animada para isso, Elle, me desculpe.

— Fico me perguntando quando é que você vai se permitir viver de verdade. Se você fosse aparecer em um episódio de Friends, o título seria: Aquela com a vida chata.

Coloco um monte de pipoca na boca, assistindo Procurando Dory com as crianças. Nossa rotina do fim de semana é basicamente esta.

— Minha vida não é chata, eu me divirto com os meus filhos. – Olho para ela, que está me encarando.

— Nossa, nem imagino como isso deve ser legal – ironiza. — Você não pode beber com crianças, e nem seduzir alguém na frente delas! – Sussurra.

— Não quero seduzir ninguém, Elena, muito pelo contrário.

— Que porre. – Desliza pelo sofá, fazendo drama.

Solto um riso e volto a assistir o desenho que deixa as crianças vidradas, aproveitando o momento com os três.

No meio da semana eu trabalho muito, tenho um cargo de secretária em uma empresa de marketing, o que toma muito do meu tempo com meus filhos, então nos fins de semana quero aproveitá-los o máximo possível. Odeio pensar que um dia eles podem se queixar de uma mãe ausente, por isso me esforço para ser o melhor para eles.

Próxima semana promete ser corrida, já que o presidente e dono da empresa está deixando seu lugar para um sobrinho distante. Estarei de chefe novo, o que significa que vou precisar me abrir para novas regras, novos horários e até novos hábitos. Não ser demitida já é uma vitória, então estou bem.

— Você pode simplesmente desistir de mim – digo, sentindo-me uma amiga horrível. — Sou um caso perdido.

— É bom nunca mais dizer isso se não quiser levar um soco.

Sorrio, dando de ombros. Minha realidade é muito diferente agora, e apesar de ter uma babá fixa para os gêmeos, não me sinto preparada para deixá-los sozinhos à noite.

Ou é disso que tento me convencer.

— Um dia você vai se curar do trauma que aquele infeliz deixou em você, Ana, pode acreditar. Aquela menina feliz que ama loucuras ainda está aí dentro.

Não sabia se acreditava naquelas palavras, mas queria.














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