Fixação

inicio

Sentado em sua carteira escolar, Izuku Midoriya estava, como sempre, no mundo da lua. Não conseguia entender nenhuma palavra do que o professor dizia, até porque nada mais podia ocupar seus pensamentos quando tinha uma visão tão adorável da nuca de Katsuki Bakugou.

O loiro de temperamento esquentado era dono de seu coração desde que os dois estavam no jardim de infância. Mas esse sentimento era totalmente platônico. Midoriya sempre fora covarde demais para se confessar e a forma como Bakugo o tratava não ajudava em nada.

Anos atrás eles eram tão próximos que Midoriya chegou a pensar que Bakugou se sentia da mesma forma, e, de repente, tudo mudou. Agora parecia que só o que Izuku conseguia despertar em Bakugou era desprezo, mas ainda assim não podia, ou melhor, não conseguia se afastar.

Ainda tentava entender o que tinha acontecido para as coisas acabarem desse jeito. Era como se torturava por horas todas as noites antes de dormir desde que percebera que seu precioso amigo não gostava mais dele. O quê ele tinha feito de errado? Eles eram inseparáveis! faziam tudo juntos. Midoriya entrava em todas as brincadeiras e tramóias que Bakugou inventava e quando algo dava errado Bakugou sempre o protegia e sorria para ele como se não existisse ninguém mais importante no mundo inteiro.

Mas então...

Bakugou começou a se afastar e se fechar, fez novos amigos e passou a tratar Midoriya como um incomodo. Com o tempo essa distância só aumentou. Agora, no ensino médio, Bakugou agia como se mal o conhecesse.

— Izuku Midoriya!

Ele voltou para a realidade como se saísse de um sonho, só pra encontrar todos encarando-o. Ótimo! Agora, além de trouxa iludido, também seria a atração da aula.

— Desculpe Aizawa Sensei. O quê disse?

O professor o olhou com pesar e um pouco de tédio antes de falar seriamente enquanto voltava para sua cadeira do lugar em que estivera em pé na frente da turma.

— Quero que me responda a questão que está na lousa.

— É... Claro Sensei. — Midoriya se voltou em pânico para a lousa, com as bochechas queimando de vergonha, se preparando mentalmente para um desastre. Mas, pela misericórdia de alguma divindade, ele sabia a resposta. — Nesse caso X é igual a 156 elevado a y.

Toda a turma olhou para ele como se ele fosse um nerd sabe-tudo. Mesmo sua amiga, tsuyu-chan, não conseguiu evitar um revirar de olhos.

As únicas pessoas que não demonstraram reação foram Bakugou que sequer tinha se virado para olhá-lo, o professor que ainda parecia um pouco entediado e Shoto Todoroki, o garoto mais popular da escola, agora sentado ao seu lado, que não se incomodou em mudar o rosto da expressão fria pela qual era conhecido, apesar do divertimento que brilhava em seus olhos.

— Está correto. — Surpreendentemente Aizawa Sensei não parecia muito satisfeito em fazer essa contestação, infelizmente a suspeita de Izuku foi confirmada pelo que o professor disse a seguir. — Midoriya, venha falar comigo depois da aula. — E o pouco de confiança que conquistara por acertar a resposta se dissipou imediatamente.

Uma risada baixa chamou a atenção de Izuko e ele se virou para encontrar Todoroki ainda encarando-o, agora com um sorriso de lado, como se soubesse a encrenca em que ele acabava de entrar. E, mesmo com toda a beleza delicada, o olhar de Todoki era tão intenso que um arrepio subiu pela espinha de Izuku.

Aquilo só podia ser mau agouro.

♦

Ao final da aula Izuku se dirigiu a mesa do professor Aizawa, enquanto o resto da turma praticamente destruía a sala de aula na pressa de ir embora, como um bando de cavalos desgovernados.

Ele tinha passado as últimas horas rezando para que não fosse nada demais e ainda se sentia envergonhado por toda a comoção que tivera mais cedo. Ser o centro das atenções sempre deixava-o desestabilizado.

— O quê gostaria de falar comigo Aizawa Sensei? — Disse Midoriya, assim que chegou perto do professor, tentando fazer com que aquilo acabasse o mais depressa possível para poder ir logo para seu dormitório jogar um pouco de videogame e esquecer os problemas que o rodeavam, principalmente um certo problema de rostinho bonito. — Há algo de errado? — A sala já estava vazia, seus colegas fugiram como se corressem de uma praga.

— Não exatamente. — O professor ficou mudo por um tempo como se pensasse nas palavras certas — Bem... tenho percebido que você anda muito disperso durante as aulas e mesmo que suas notas sejam ótimas eu sinto que a escola não está apresentando nenhum desafio a você. Seu nível de conhecimento teórico é excelente.

— É... obrigado professor. — Midoriya franziu a testa sem saber o quê mais dizer. — Então... onde que chegar?

Não parecia plausível que Aizawa Sensei o tivesse chamado apenas para elogiá-lo. Midoriya sentia como se estivesse prestes a cair numa armadilha.

O professor olhou novamente pra ele com o quê parecia ser uma ponta de pesar.

— Veja bem. Proporcionar conhecimento teórico não é o único objetivo de uma escola, desenvolver habilidades sociais também é muito importante. E acredito que estamos falhando com você nesse quesito. Então encontrei uma atividade extracurricular perfeita para você praticar.

Merda, aquilo não poderia estar acontecendo de verdade. Midoriya começou a sentir pavor só de pensar no quê seria obrigado a fazer. Porque, pelo tom de voz do professor não haveria espaço para recusa, não que ele já tivesse dito "não" para qualquer professor antes de qualquer forma. Mas isso não ia acabar bem. Midoriya já começava a suar só de se imaginar tendo que interagir com várias pessoas.

— E-eu não acho que seja necessário, estou bem do jeito que está e não gostaria que isso interferisse nos meus estudos. — Izuku não podia acreditar que tinha conseguido dizer tudo isso, mas era importante continuar invisível, era melhor quando as pessoas não o notavam, só assim ele ficaria tranquilo.

— Como seu professor recomendo que tente pelo menos este bimestre. Decidiremos se vai continuar depois. — Como se Izuku estivesse fazendo parte dessa decisão. — Além do mais, duvido muito que vá prejudicar seu desempenho em sala de aula, afinal você domina a matéria mesmo sem prestar nenhuma atenção no quê explico.

Izuku sentiu o sangue subir ao pescoço e bochechas pela reprimenda velada e se percebeu assentindo para o professor, sem nem sequer saber qual era a atividade extracurricular com a qual estava concordando. A forma como era fácil ser manipulado chegava a ser assustadora.

— Perfeito! — Aizawa Sensei parecia sinceramente aliviado, apesar do óbvio desespero de Midoriya. — Você vai liderar um grupo de estudos com os jogadores de basquete. — Traduzindo: Ele ia dar aulas de reforço para os caras mais populares da escola. Só podia ser um pesadelo. — Boa parte do time está tendo dificuldade esse ano e o campeonato interescolar começa daqui a alguns meses, como no primeiro bimestre as notas foram ruins eles precisam se recuperar agora para que todos possam jogar. — Ao ver o desânimo de Izuku, o professor acrescentou. — Não se preocupe Midoriya, você não será o único a ensinar. Todoroki Shoto faz parte do time e, como as notas dele também são altas, ele concordou em ajudar no que puder.

As coisas só pioravam. pelo menos não seria tudo responsabilidade sua, se bem que lidar com Todoroki não seria nada fácil, o garoto era um mistério que ninguém tinha coragem de tentar desvendar, mas talvez fosse melhor que nada.

Bakugou também fazia parte do time de basquete, mas provavelmente não estaria no grupo de estudos já que era o segundo melhor da turma, logo depois de Midoriya. Talvez... Se desse sorte, talvez conseguisse assistir Bakugou nos treinos, e ele não iria desperdiçar essa oportunidade. Estava decidido a conquistar o antigo amigo de infância de uma vez por todas, mesmo que para isso tivesse que enfrentar seu pior inferno. O que estava acontecendo poderia ser um sinal de que estava na hora de eles ficarem juntos.

— Está bem, farei o meu melhor. — Disse Izuku, pronto pra sair, ainda se convencendo de que não seria tão ruim assim se isso significasse que poderia ficar mais perto de seu amado.

Antes que chegasse a porta Aizawa Sensei falou de novo.

— Converse logo com Todoroki. Quanto antes vocês começarem melhor. — E com isso Aizawa o dispensou.