Lembranças que perseguem

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Midoriya

Quando se deu conta de quem estava do outro lado da linha Izuku parou, estático, no meio do quarto. Estava em seu caminho para se sentar na cama, mas travou, como se seu corpo tivesse perdido a capacidade de se mover.

Bakugou... Bakugou tinha ligado pra ele.

Depois de anos esperando qualquer indício de que o ex-amigo de infância sequer se lembrava de sua existência, sendo sistematicamente ignorado e desprezado, Izuku não sabia como reagir a aquela ligação.

Todas as vezes em que Bakugou se deu ao trabalho de dirigir a palavra a ele foi porque Izuku insistira incansavelmente, e em cada uma delas só o respondia para cortar sua iniciativa e afastá-lo novamente. E, mesmo assim, esses breves momentos em que Bakugou lhe atirava migalhas tinham alimentado sua alma durante os últimos anos.

Houve um tempo em que ligações assim eram comuns, mas aquela era a primeira vez em mais de três anos que Bakugou começava uma conversa com ele.

— Merda, você ainda está vivo? — a voz mal humorada retumbou pelo telefone.

— S-Sim. — Seu coração martelava no peito e ele tinha começado a tremer, mas ainda estava vivo. Completou os passos que faltavam para chegar à cama e sentou-se nela antes que desabasse no chão. — Boa noite Bakugou. Tem algo que possa fazer por você? — disse inseguro.

— Eu não preciso de você pra fazer nada por mim — retrucou o loiro continuando em tom de ameaça: — mas resolvi te avisar, para o seu próprio bem, que não vá para a escola essa semana.

Ele só podia ter ficado louco. Aquilo estava mesmo acontecendo? Depois de fingir que ele não existia por anos a fio Bakugou tinha ligado num domingo à noite só mandá-lo não ir à escola? Parecia uma pegadinha de mal gosto, mas isso não fazia o estilo dele.

— Por q-que v-você está me d-dizendo isso? — Izuku tentava a todo custo controlar o nervosismo que insistia em dominá-lo. Mas, ao contrário das lembranças de um passado longínquo e feliz que acessou quando atendeu a ligação, dessa vez o quê tomou a mente do nerd foram imagens de um passado um pouco mais recente e infinitamente mais aterrorizante.

— Não é da sua conta. — Bakugou parecia estar ficando ainda mais irritado.

— P-por que eu faltaria às aulas? I-isso é loucura.

— Você vai faltar porque eu tô mandando, caralho! — A linha ficou muda.

Bakugou tinha desligado na sua cara.

Izuku se jogou na cama e ficou deitado sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto, enquanto era atormentado pelos demônios que o perseguiam e provavelmente sempre perseguiriam. Tomando o cuidado de a cada lembrança convencer a si mesmo que estava seguro onde ninguém poderia fazer mal a ele.

Levou quase meia pra parar de chorar. Mas tentou focar nas coisas boas: dessa vez não chegou a ter nenhum ataque de pânico ao lembrar do incidente.

Lavou o rosto no banheiro anexo ao seu quarto e desceu pra conversar com a mãe. Depois do que tinha acontecido ela o fez prometer que contaria tudo que o afetasse psicologicamente.

Chegando na cozinha viu que ela estava preparando o jantar enquanto murmurava uma canção alegre. Ele se sentiu mal por estragar o seu humor.

— Mãe?

— Sim querido? — Ela estava de costas pra ele, mexendo o que parecia ser uma panela de sopa.

— Será que podemos conversar?

— Duas vezes numa noite? Assim vou acabar pensando que realmente gosta de conversar comigo. — Disse ela, carinhosamente, antes de se virar. Mas sua expressão se petrificou ao olhar para o rosto do filho e se virou rapidamente para desligar a chama do fogão. — O quê aconteceu, meu bem?

Izuku se sentou à mesa e convidou a mãe para fazer o mesmo, que o atendeu prontamente. Respirou fundo, se preparando para a reação de Inko.

— No telefone... era o Bakugou.

Sua mãe pareceu inchar de raiva ao ouvir o nome, mas, nos olhos dela, Izuku podia perceber outras emoções. Medo, preocupação e, principalmente, culpa.

— E o quê aquela cria do demônio queria com você?

Ele ignorou o insulto, sabia que sua mãe não ficava em seu normal quando se tratava de qualquer coisa relacionada a esse assunto.

— Eu não entendi bem. Ele só disse que eu não deveria ir ao colégio essa semana e desligou. Não sei o quê está acontecendo, talvez nem seja nada, mas, como prometi a senhora que não te deixaria de fora da minha vida de novo...

— Claro que você tem que me contar algo assim Izuku — ela segurou as mãos do filho por cima da mesa. — Eu não confio naquele garoto. Ainda acho que você deveria ter ido pra outra escola, não quero que continue tendo contato com essa gente.

— Não vamos seguir por esse caminho de novo mãe. — Era sempre assim, ele achava que a mãe jamais se conformaria por ele estar na mesma escola que Bakugou. — Já tivemos essa conversa mil vezes, não precisamos de mais uma. A senhora mesma disse para não deixar de seguir minha vida e a U.A. sempre foi meu sonho.

— Eu sei querido, mas depois de tudo que você passou, ainda ter que ficar na mesma classe desse garoto é um absurdo.

— A senhora sabe que o Bakugou não fez nada comigo. Não foi ele. Quantas vezes eu preciso dizer? — Ela parecia querer discordar, mas os dois sabiam de traz pra frente os argumentos que cada um usaria. Exatamente como todas as outras vezes.

— De qualquer forma, eu preferiria que você estivesse em outra escola — quando Izuku se preparava pra falar ela levantou uma mão para impedi-lo. — Mas, já que meu filho idiota não seguirá pelo caminho mais sensato, não vou deixar que essa peste interfira na sua vida. Quem ele acha que é pra decidir se você deve ir pra escola? Pra achar que manda em você? Olha aqui Izuku, se você fizer qualquer coisa do quê esse menino disser pra você, eu te deserdo. Você escolheu esse caminho. Se quiser mudar de escola eu peço a transferência a qualquer hora, mas enquanto está decidido a ficar na U.A. enfrentará as consequências de cabeça erguida.

— Eu nunca tive a pretensão de obedecer, é só que... — ele sentiu uma estranha melancolia em seu coração. — Ele me ligar fez eu me lembrar de quando isso era normal, quando ele vivia aqui em casa e a senhora o tratava como um segundo filho. E quando ele falou pra eu não ir pra escola me lembrei daquele dia fatídico e fiquei mal. Mas eu estou superando mãe. Não se preocupe, não sou mais o mesmo e nem estou na mesma posição de antes. Vai ficar tudo bem, só estou um pouco abatido.

Inko se levantou para abraçar o filho e falou enquanto o envolvia com os braços cuidadosamente.

— Ah, meu bebê corajoso — Izuku resolveu ignorar o apelido só dessa vez. — Que tal deixarmos essa sopa de lado e comer pipoca enquanto assistimos uma comédia romântica?

Izuku sorriu de leve, feliz por ter a melhor mãe do mundo.

— Parece uma ótima ideia. 

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