Durante certos momentos, parar para respirar se fazia necessário. Mesmo que isso pudesse causar mais aborrecimento. Certas coisas na vida costumam não haver muita explicação. Uma delas é o desejo do ser humano, em determinados momentos, de se auto-torturar.
A Praça da Sé estava como sempre em tardes de domingo. Movimento mediano de pessoas pela enorme extensão cinzenta de cimento perto da catedral e pombos por todos os cantos. O céu, ensolarado e convidativo, incentivava adultos e crianças a aproveitarem o dia.
Fazendo uma pausa, algo um tanto incomum vindo dele, Yuri ficou sentado em um bloco de cimento, observando todo o movimento à sua frente. Destoava do resto dos passantes, não apenas porque estava sozinho ou com roupas pretas. Mas também pois, diferente dos outros, não folgava no domingo.
Por esse motivo, em uma vontade súbita, decidiu ficar na praça horas antes de ter que bater ponto como stripper à noite. Sem saber de onde veio esse desejo, só sabia que queria. Guará tinha muito disso, desejos repentinos que surgiam do nada e precisavam ser realizados de imediato.
Ficou sentado naquele bloco de cimento por um bom tempo. A imagem que mais lhe chamava a sua atenção era a que acontecia metros à sua frente. A simples cena de uma família aproveitando o domingo: um casal, homem e mulher, com seus dois filhos meninos.
O casal de adultos interagia e vigiava a brincadeira das crianças que andavam de bicicleta pela praça. Os pequenos não deviam ter mais que cinco anos, pois não percorriam grandes distâncias e as bicicletas ainda tinham rodinhas. Todos os quatro se divertiam, demonstrando uma felicidade que podia ser vista de longe.
Uma família tradicional agindo como tal. Algo inegavelmente adorável. Mas para Yuri, aquela cena era mais do que isso. Aquilo mexia com inúmeros sentimentos adormecidos do homem, que de vez em quando trazia de volta.
Se por um lado a imagem da família feliz o deixava atraído, quase hipnotizado, por outro, lhe deixava deprimido. Uma tristeza forte invadia seu peito, e ele sabia disso. Porém, continuava querendo olhar para aquilo e se torturar. Seu semblante sério e meio cabisbaixo não escondia a angústia sentida.
A complexa situação não era a toa. Toda vez que Guará se deparava com algum momento alheio entre pais e filhos, ficava assim: cativado e depressivo. Fazia-o relembrar momentos do passado, reviver o que viveu e o que gostaria de ter vivido. Esses últimos, mesmo depois de tanto tempo, eram os que mais causavam dor.
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Quando as portas do fundo da casa noturna abriam para os funcionários, ninguém esperava todos chegarem para começar os trabalhos. Quem chegava, logo fazia o que tinha que fazer antes da abertura ao público. A pontualidade na Arena era uma exigência de seu gerente, que não aceitava nenhuma justificativa de atraso.
Como sempre, Caique era um dos primeiros Gladiadores a bater ponto, pois frequentemente vinha de carona com Yuri. A sua pressa para sair de um trabalho para chegar em outra era tanta, que suas energias se esgotavam logo nessa baldeação. O resultado pôde ser visto durante aquele início de noite na pista de luzes acesas.
Sentado em uma mesa, vestindo apenas uma cueca boxer azul marinho, em uma postura bem recolhida, debruçava sobre o móvel os antebraços, que serviam de travesseiro para a cabeça curvada. Seus olhos, ora abertos, ora fechados, mostravam que sua consciência cambaleava naquele momento. Mais uma vez, o sono tentava vencê-lo.
Uma imagem praticamente diária durante os bastidores da Arena Esparta: o enfermeiro pelos cantos, sonolento, cansado, bocejando. Às vezes tentando ficar acordado, às vezes entregando os pontos e dormindo. Por várias vezes, outros rapazes o alertavam sobre a rotina exaustiva que ele insistia em levar. Mas Oliveira pouco dava atenção.
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Arena Esparta: Além da Noite (Livro I)
RomanceDe noite eles mandam, de dia eles sobrevivem. Mais que um strip-club, a Arena Esparta é uma verdadeira arena do prazer. Um paraíso noturno em plena São Paulo. Quando as portas abrem, tudo pode acontecer. Os rapazes, ou melhor, Gladiadores, estimula...