Chave de Cadeia

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DEZOITO ANOS ATRÁS

Havia, no máximo umas três pessoas na farmácia em plantão naquele começo de madrugada. Aproveitando-se da distração do único funcionário visível, que estava no balcão atendendo a uma cliente, um garoto adentrou o lugar. Sorrateiramente, olhando para os lados, preocupando-se em não ser visto.

Ele era magro, aparentava estar morto de fome. Usava uma bermuda velha, uma regata de um tamanho maior que ele, e um par de tênis tão velho que parecia se esfarelar a qualquer passo dado. Tinha onze anos de idade e seus olhos verdes já se destacavam.

A coisa que ele mais precisava naquele momento era ter sangue de barata. Não era a primeira vez que ele fazia isso, e se dependesse de seu azar, não seria a última. Nem sempre ele tinha isso, muitas emoções suas emoções eram mais fortes que ele. Mas ele tinha coragem e sagacidade.

Mesmo muito novo, tinha consciência de que o que fazia não era certo. Sabia dos erros que cometia a cada dia. Mas era o único jeito de agir para sobreviver e não sucumbir à vida solitária.

Seu olhar estava fixo na prateleira de conveniências, onde estava a barra de chocolate que o garoto tanto cobiçava. Sua barriga doía de fome, e a vontade de agir sem pensar era enorme. Ele precisava se controlar e se concentrar.

Olhou para os lados, esticou a mão esquerda e pegou a barra. Mas antes de levá-la para o bolso, sentiu uma mão forte agarrando seu pulso. Virou-se para o lado e se assustou ao ver outro funcionário lhe flagrou. Um homem grande, furioso, que estava pronto para jogar o menino longe a qualquer momento.

— Tá querendo alguma coisa? — Encarou o homem.

— Eu... eu... eu... — O garoto gaguejava, com medo.

— Deixa ele.

Um outro adulto, que usava óculos e tinha postura ereta, estava perto de outra prateleira quando viu o funcionário da farmácia pegar no braço do menino.

— Ele está comigo. Meu sobrinho. Pedi pra ele pegar o chocolate. Duas barras.

Doutor Wagner transmitia segurança em sua fala. Como se estivesse falando a verdade. Não era seu sobrinho, mas não era um desconhecido. O homem largou o garoto fazendo cara feia.

— Pegue pra mim os chocolates por favor, Yuri.

Ele fez o que o doutor disse e ambos foram ao balcão, para que o adulto efetuasse a conta. Minutos depois, o homem colocou o jovem no carro, que guardou o chocolate no bolso enquanto o homem dirigia com uma expressão séria. Visivelmente desapontado.

— Você não toma jeito. — Repreendeu o médico.

— Eu precisava disso, fiquei um dia inteiro sem comer.

— Deixa eu advinhar. Fugiu de novo?

— Não tive escolha. Se eu ficasse, morreria.

— Não pode pensar assim, Yuri. Gostando ou não, você tem que parar com isso. Toda vez que apronta uma dessas, sua situação com o juizado de menores fica mais complicada. E eu não posso ficar te acobertando. Tem que aceitar e ficar de uma vez.

— Prefiro mil vezes a rua do que voltar praquela vida.

— Não brinca com isso. Você é novo demais pra se arriscar tanto.

— O senhor não entende... — Suspirou.

— Talvez eu não entenda, mas... não pode fugir para sempre.

Arena Esparta: Além da Noite (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora