Cada um Por Si

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Além de proporcionar uma agradável brisa naquela manhã, as árvores que cercavam os quarteirões da região dos Jardins fazia uma quebra na sisuda selva de concreto. Assim era o canto nobre da cidade, rodeado de prédios e mansões modernas, envoltos por muito verde. Oferecendo requinte e aconchego à todos que podiam pagar para ter uma moradia lá.

Por entre as pacatas ruas, era fácil distinguir aqueles que tinham o privilégio de ser moradores do tão elegante bairro e aqueles que apenas estavam ali à trabalho. Os transeuntes de boa situação financeira passeavam tranquilamente tocando suas vidas, gozando da tranquilidade contínua e ignorando o resto do mundo.

Enquanto os empregados, em menor quantidade naquela hora, passavam com semblantes mais sérios e evitando fazer muito contato visual com terceiros. Domésticas e babás, geralmente com roupas simples e brancas, cumpriam seus respectivos trabalhos sem se esquecerem de que estavam em expediente. Naquele belo e sofisticado lugar, essas pessoas contentavam-se apenas em apreciar com os olhos. Não era para elas.

Fazia tempo que Caique havia se acostumado com essa realidade. Não tinha como ser diferente. E talvez, não precisasse. Assim como os outros limitava seus pensamentos ao seu trabalho no exato momento em que passava pelas ruas vestindo um jaleco de manga curta branco, da mesma cor da máscara que cobria seu nariz e boca.

Segurava com firmeza a cadeira de rodas que fazia um pequeno barulho ao passar em galhos e folhas pela calçada. A boa desenvoltura era importante para locomover Arthur, o senhor que estava sentado nela. Um idoso boa-praça — que também usava máscara naquele momento — no alto de seus noventa anos, que trabalhou muito no passado e conseguiu muito dinheiro para ter uma vida confortável.

Era magro, meio calvo com ralos cabelos cabelos grisalhos. Vestia calça social e permanecia estático enquanto a cadeira se movia. O que mais gostava de fazer era passear durante as manhãs, tomar um ar. Não dava para ele fazer isso, ainda mais após a passagem de uma pandemia. Mas, se fosse para fazer, que ao menos estivesse acompanhado de um cuidador profissional.

Esse era o segundo emprego de Caique. O garoto saiu da periferia e conseguiu estudar enfermagem. Fazia uns dois anos que ele trabalhava como cuidador de idosos, com o senhor Arthur. Desde então se apegou ao homem. Pelas conversas, histórias, pelo jeito de ver a vida, o rapaz gostava de estar com ele. O idoso tinha apenas o jovem como sua companhia mesmo tendo família em casa.

Assim que foi se aproximando da mansão onde o idoso morava, avistou uma viatura de polícia militar parada no quarteirão a frente. O que era estranho já que algo do tipo não acontecia muito naquela região. Com isso, respirou fundo e seguiu em frente já prevendo o que encararia.

Também não demorou para que os dois fardados abordarem Caique pedindo para ele se aproximar da viatura. "Pedindo" entre aspas. Os policiais, homens altos e — obviamente — brancos, cercaram o rapaz de maneira sutil para não demonstrar truculência. Mas pelas caras sérias deles, era impossível de esconder o que queriam.

— Os documentos, por favor. — Ordenou um deles bem sisudo.

Nesses momentos, Oliveira não podia fazer nada além de acatar as ordens. Tirou sua identidade do bolso, pois sempre sai com ela, e entregou ao policial. Este, deu uma rápida olhada, com certa má vontade. Como se aquilo não tivesse importância.

— Você é das redondezas? — Perguntou o outro policial, também sisudo.

— Eu trabalho lá naquela casa. — Respondeu apontando para a frente — Eu cuido do seu Arthur, que tá ali. — Terminou acenando para o senhor.

— Sei... — O policial resmungou desconfiado enquanto olhava o documento — Tem alguma coisa que possa comprovar isso?

— Tenho isso. — Respondeu tirando outro documento do bolso.

Arena Esparta: Além da Noite (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora