Cabeça Cheia

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Trabalhar na noite tinha suas vantagens e desvantagens. A bagunça no relógio biológico era uma das desvantagens. Por mais que se alterasse a rotina por completo, as vezes não dava para evitar chegar ao trabalho já cansado fisicamente, mentalmente, psicologicamente. Tudo pesava nas costas.

Para os strippers da Arena Esparta, a situação poderia ser mais puxada. Principalmente porque eles precisavam de toda a disposição para fazer o trabalho, sensualizar e ainda botar um sorriso no rosto como se nada acontecesse. Por isso, eles tinham a vantagem de se entenderem e se ajudarem em momentos de cansaço.

Sejam conversando, desabafando, brincando, ou até outras coisas bobas, acontecia de um tudo nos bastidores. Antes das portas se abrirem, e depois que elas se fechavam. Viviam aquela realidade todo dia, e de certa forma, um acabava recorrendo ao outro quando necessário.

Como alguns dos Gladiadores praticamente não tinham muita vida social, por conta do trabalho e outras questões, a Arena virava o lugar onde eles podiam interagir entre si. Com a liberdade que, provavelmente, não teriam com outras pessoas fora do meio. E ao final, o strip club acabava sendo a casa deles, mais que suas respectivas moradias.

Naquele começo de noite, como em tantas outras, o momento antes da abertura da casa noturna era o momento mais tranquilo para aqueles homens. Entre arrumações de mesa, ensaios e provas de figurino, eles arrumam tempo para fazerem coisas que podem até ser fúteis, mas que os frequentadores nunca os veriam fazer.

Como o que Yuri fazia poucas horas antes da abertura, por exemplo. Sentado em uma cadeira na pista, vestindo apenas um shorts preto, estava de frente para Jorgito que também estava sentado e vestia apenas uma bermuda cinza mais longa e mexia no celular. Sua perna esquerda estava esticada, com o pé repousado na coxa de Guará, que o segurava para poder cortar as unhas dos dedos com o alicate que tinha em mãos.

O corpo do Argentino era obviamente pálido, mas muito atraente. Suas pernas longas e torneadas só não chamavam mais atenção que seu peitoral grande e robusto, de grandes mamilos rosados. Ele tinha mais peito que muita menina. E não à toa, fazia sucesso na Arena. Seu físico de atleta, mais a cara de poucos amigos, deixava alguns frequentadores visivelmente excitados.

Tanto o porte quanto o semblante tinha explicação em seu passado. Herrera foi um promissor jogador de futebol em um passado não muito distante. Teve uma carreira promissora em seu país natal e um fim trágico. Portanto, tentava esquecer essa parte de sua vida com todas as forças, porém era inútil. As dores eram maiores que tudo e a introversão foi um dos jeitos que encontrou para não sofrer mais.

A inusitada vivência no strip club — nos cinco anos desde que entrou — e a convivência com os outros Gladiadores fez com que um pouco da barreira de gelo criada por ele fosse quebrada. O loiro, apesar de tudo, tinha amigos, algo que ele até tinha esquecido como era. Mesmo permanecendo introvertido, foi acolhido pelos outros.

Principalmente Yuri, com quem tem mais amizade. A confiança de Jorgito deixava até ele lhe ajudar a cortar as unhas de seus pés, como naquele momento. Mas o Argentino não facilitava, vez ou outra, dobrava perna ao sentir pequenas dores com as cortadas do alicate.

— Se acalma aí, pombas! — Disse Yuri tentando segurar o pé do amigo — Assim não vou conseguir terminar de cortar nunca.

— Desculpa, Yuri. Es que duele.

— Se quiser que eu corte direito, vai acabar doendo um pouco mesmo. Ainda mais que a sua unha encrava pra caralho. Nunca vi coisa igual.

Apesar de inusitado, havia uma explicação minimamente plausível para Jorgito querer cortar as unhas. Aquela noite seria temática e os strippers, desta vez, não usariam coturnos. O tema era o surfe, o local seria tomado por pranchas e enfeites praianos enquanto os rapazes apareceriam com chinelos, sungas coloridas e roupas de mergulho bem justas. Como todos eles ficariam com os pés a mostra, não era apropriado que o Argentino aparecesse com unhas crescidas e feias.

Arena Esparta: Além da Noite (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora