caos: o que ele fez com o ódio

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A agitação ao redor é um alerta do medo.

Não vamos dizer essa palavrinha, no entanto.

Não caí tão bem quando se usa farda.

No seleto grupo de pessoas possuidoras da noção completa de que estamos fodidos, o desespero se tornou um acessório de trabalho, tão usual e particular quanto o uniforme, fazendo par com a arma no coldre na cintura, o distintivo guardado ou exposto no vestuário. Mas no receio os dias transcorrem, nas noites mal dormidas, destruídas por pesadelos e pelo pavor do desconhecido, analisando e revisando nossas vidas na lente de aumento de uma lupa - por todos os lados. É um carro desgovernado e frear já não adianta, não importa quantas voltas ele dê nas salas abarrotadas nos departamentos da delegacia, ou quantas balas eu afunde nos bonecos de treino enfileirados na parte subterrânea do prédio que a comporta.

O problema não acaba, ele não cessa, enquanto o ponto final continua a solta e nem sei ao certo se encarcerá-lo vai efetivar algum sentimento de calmaria.

Acreditar que sim é o que resta e os protetores auriculares fazem dos meus pensamentos ruídos barulhentos, irritantes demais para se ignorar com uma arma na mão. Por isso sempre detestei o ato, o impacto do projétil, a mecânica envolvida na força quase nula para um resultado letal, se mal empregado. Odeio aquele instante em que meu dedo desliza pelo gatilho e o objeto se aloja certeiro no ponto destacado em vermelho no peito do manequim. Quase sem desvios e muito melhor que nos velhos tempos de academia policial.

A prática, no fim, talvez leve a perfeição - Jungkook foi um bom companheiro de treino, as horas gastas tentando fazer os dias voarem mais depressa até a data programada para medidas mais concretas, me entregaram resultados satisfatórios. Mas não penso no abandono do posto de pior atiradora da equipe. Em meus ouvidos tapados, o silêncio de Jimin se estende em uma corrente de calafrios tenebrosos, quem de perfeição entende muito bem, calculando sem erros, como a todo o resto, nosso desespero - pode vir a ser a cartada final de uma pessoa acostumada a fazer da experiência sua aliada mais fiel.

Por que está tão quieto?

Tão próximo de obter o que tanto queria?

Não faz o menor sentido.

Busquei respostas infinitas vezes, mas Jimin é uma incógnita que eu estou 0% interessada em assumir a tarefa de desvendar. Todas as possíveis soluções, como já era esperado, apontam para causas e reações da dor, um sofrimento psicológico absurdo. Todos sabemos, por isso o nervosismo mal encoberto, o clima fúnebre de enterro tomando o lugar do que seria esperado: a festa de uma provável vitória.

Só existem perdedores, ninguém cruzando a linha de chegada para ser proclamado campeão.

Pensamentos inconvenientes que trancam minha garganta e provocam a rejeição instantânea ao instrumento de trabalho. Atirar é uma habilidade completamente dominada pelo advogado, sabe e tem o que precisa sem precisar de armas, na verdade. Vejo em minhas mãos, ao redor do cabo do revólver, a ilusão de seus dedos delicados, seu pulso firme coberto pelo relógio de ouro.

Continuar existindo enquanto ele permanece em liberdade leva embora todas as esparsas alegrias do dia.

Jimin criou um monstrinho na consumação de seu plano infalível e esse bichinho está sugando tudo de felicidade que encontra pela frente. Se atirar me aproxima dele, eu desisto da distração e da arma. Desfaço os primeiros botões da camisa apertada, esmagada pelo incômodo avançar dos minutos.

Ninguém disse que seria fácil.

Ninguém mentiu ou tentou fingir ser ele uma pessoa tranquila de se levar. Mas, droga, poderia se portar de acordo com o projetado, como havia sido nos últimos meses ao invés de tomar um belo chá de sumiço e ignorar a existência da besta que ajudou a soltar no mundo.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora