pecador: padecendo no triunfo

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(AVISO: Este capítulo contém cenas de violência!)

Os últimos dias da vida de Julieta foram controlados pela previsão ruim registrada nas colorações acinzentadas do céu. Os últimos dias de paz na vida dos garotos de Nápoles foram cravados por pequenas feridas alastradas junto a vermes corroendo a carne de corpos vivos, mas frios de insônia e congelados pelo medo como se já estivessem mortos.

Ironicamente seriam sobreviventes no desfecho daquela chacina, seriam também algozes e as antíteses não retirariam deles a condição de vítima. Em cinco dias, contados da noite em que Andrei se sentou em frente ao líder - inexperiente e inconsequente em seus primeiros anos de reinado - entregando a carne de sua carne àquele ser vivo proclamado sacro, ele sentiu desespero tomando cada mínimo pensamento antes que a punição fosse decretada.

Enzo, um traidor dos votos feitos à base de sangue e tinta negra sob a pele, teve seu desvio consumado e testemunhado pelos olhos atentos de alguém que nunca havia feito outra coisa que não fosse observar a vida de outras pessoas, aprisionado em si mesmo e podado de encontrar meios de viver a sua própria maneira. Mas apesar da infração exposta, todos os homens hesitaram e pelo vacilo, existente, porém desprovido de um posicionamento incisivo e enérgico, atiçaram a besta escondida no corpo do Don, homem cruel e não apenas criminoso, um psicopata sem escrúpulos e não somente um herdeiro da Máfia.

É preciso sanidade mental para assumir o topo de uma hierarquia, pois é preferível ser amado e temido, a ser somente receado. Mas a segunda opção, prescrita por Maquiavel* como a desejável na impossibilidade de alcançar ambas as coisas, foi tomada por primeira e única no comportamento de alguém que jamais sentiria amor e facilmente se tornou inflamável na presença do ódio. Matteo odiou não apenas o jovem rapaz apaixonado por algo que, em sua cabeça territorialista, o pertencia, e sim a todos os homens racionais que tentaram refreá-lo com níveis de bom senso, rapidamente dissipados no primeiro excesso de sua tirania.

Vidrarias se tornaram partículas pelo chão gelado da casa e gritos e marcas no corpo de Julieta ditaram a tempestade se aproximando da Ilha no cume do verão frio, seguindo o trajeto das loucuras do homem que conduziria os últimos dias como se fosse o guardião do inferno. O coração dele estava vazio, o dela constituía apenas uma máquina gastando suas últimas energias, vivendo em tempo extra até que todo sofrimento findasse.

Beatrice, a única inocente vivendo naquele pedaço de mundo isolado, não diferiu aquilo em sua cabeça como sendo algo de cunho extraordinário, pois a figura do pai alterado, como o monstro que inspiraria histórias de terror - reais- sempre foi aquela no conceito formado por sua cabeça. Seu pai era o que era: cruel; assim como sua mãe foi o que sempre foi: triste.

Francesco Barbieri, o único que se manteve irredutível na contrariedade da posição adotada por Matteo, não pode lutar sozinho pela vida do principal soldado de sua equipe de pupilos. Para isso não temeu gritos, não abaixou nem subiu a voz diante do descontrole do Chefe, porque havia dedicado boa parte da vida àquela família como se fosse a sua, por vezes a priorizando em prejuízo da dele. Levava a sério e com respeito os votos firmados como eternos, mas considerava, acima de tudo, o sentimento de integridade da organização como o ente familiar que deveria ser.

Giovanni Falcone foi o primeiro a se calar. Pela vulnerabilidade da recém ocupada posição de Capo, teve medo de perder o posto dado como legado antes da morte de Jimitri. Arturo D'Angelo tentou por pouco tempo a mediação do caso, desistindo ao assistir Matteo inflado de cólera destruindo coisas e empunhando armas no anoitecer do quinto e derradeiro dia, expondo as ordens que havia dado para que seguranças e soldados trouxessem a família Scano da Província de Nápoles até a Ilha.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora