desonra: o amor mais difícil

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*ATENÇÃO: (este capítulo contém cenas de violência)

Os pés da cadeira arranham a pintura de inspiração quatrocentista. Arrancam a moldura banhada a ouro e, sonoramente, quebranta o vidro que a protegia.

Um maestro do drama.

O primeiro pensamento não passa de irritação a contragosto engolida em defesa da decoração arruinada, até ver a fonte da destruição nos ajustes finais de um novo ataque. A cobra - não mais tão silenciosa - destilando veneno em reiterados botes, assistida por pestilência inferior - a audiência de homens calados sentados ao redor de um déspota descontrolado, observando o surto de fúria conhecida, mas dessa vez há reprovação massiva nos olhares silenciosos e uma taça de vinho sobrevoa próxima a minha orelha.

Um pouco tarde, infelizmente - para a revolta e para o ataque.

A paciência foi posta em limites ultrapassados em outras ocasiões e ninguém naquela sala parece disposto. É um pouco por isso que meus lábios fechados esboçam um sorriso ao escutar o cristal se partindo na parede soberba e ainda cheia de tantos outros quadros valiosos.

Salvatore tem uma péssima mira, mas consegue andar em linha reta. A coordenação motora aceitável me alcança e ele amassa o colarinho em minha camisa bem asseada, ao me puxar pelos ombros. É mais alto, porém tão patético que o único esforço que possuo é o de não rir desse suposto desespero - não passa de um miserável descontrole.

O tom de voz ameaçador não me provoca qualquer arrepio de medo. O berro de uma criança não se difere, o latido de um animal doméstico de porte pequeno e a culpa é também dele, se me transformou em alguém tão bem preparado a não temer os grandes e medo deixa de ser compatível no momento.

Estou morrendo, de certa forma, por razões que não lhe dizem respeito, e o resto é retrato surrealista, ele, Consiglieri, Capos e sgarristas da região - D'Angelo, nos agraciando com sua presença - sentados pelas beiradas do escritório em uma reunião, rapidamente desviada do propósito inicial, no instante em que pisei no carpete aveludado.

Porque Matteo precisa de um motivo.

Gosta de ter um foco único de ira.

"Tem feito dos nossos problemas uma coisa sua, Jimin, por capricho, mas é incapaz de controlar uma menininha. Antes fosse duro e exigisse respeito". Ele sibila, seu chocalho imaginário se eriçando.

Estou pouco me fodendo, a ceninha montada tem comoção nula.

Quero desaparecer.

Sumir.

Virar um caco de vidro, aquele arranhão na tela da obra de arte.

"Medo ajuda, sabe muito bem disso. É necessário e se fosse por temer, ela não teria fugido". Atentamente observo seus olhos, as entradas em sua testa reluzente e pondero o quão satisfatório seria implantar uma bala no centro dela - meu sorriso se alarga a ponto de tornar mais forte a pressão exercida nas abas da camisa.

Se uma gravata ainda contornasse meu pescoço, estaria me enforcando.

"Eu não sou pai dela, já deveria ter entendido". Controlar a voz é um desafio e me preparei para enfrentá-lo durante do tempo de espera até o desaparecimento de Beatrice ser noticiado. Parecer inocente é a prioridade e quanto mais inerte fico, mais rápido vem a queda por seu próprio salto; quanto mais calada a minha boca ou em tom mais baixo minha voz é emitida, mais alto ele grita e em velocidade igual se desmoraliza ante os ouvintes de seus berros, que continuam a ter mais descrença que temor no olhar. "Podemos voltar a discutir o que importa?"

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora