controle: não deixe ela entrar

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[semana dois]

O ambiente fechado e o cheiro adocicado de perfumadores utilizados como neutralizantes para o tabaco dos charutos, empunhados como medidores de ego, fizeram Andrei expirar o ar e proteger suas narinas com as mãos, como se elas fossem máscaras de gás.

Um pouco dramático e exagerado, embora o aroma natural e comum em homens velhos e ricos, principais clientes daquele lugar, não fosse nem de longe o tipo de coisa que eu gostaria de sentir em uma segunda feira, tão tarde da noite. Poderia pensar em dezenas de coisas melhores para se fazer e até mesmo não tão melhores, como trabalho, porque dias úteis não deveriam ser gastos dentro de casas noturnas de prostituição, a menos, é claro, que você seja um velho rico e desocupado.

Até mesmo Salvatore tinha obrigações como Primeiro Ministro, mas era por ele, sempre por ele, que estávamos ali. Dessa vez por intermédio de nosso subchefe, mas no final, apenas para resguardar a sanidade mental do nosso tão estimando "Don".

Uma curiosidade interessante é que apesar de sonoramente bonitas, essas nomenclaturas idiotas quase nunca foram utilizadas. Eram códigos de tradição repassados por obrigação entre os "irmãos", mas sem quase nenhuma utilidade prática no dia a dia. Convenhamos que não seria de bom tom se Andrei me chamasse de carrasco em um lugar como aquele, rodeado de estranhos, ou se Salvatore aceitasse ser reverenciado como Don em meio aos seus funcionários em seu gabinete no Palazzo Chigi*. Fazer uso dessas bobagens seria o mesmo que assinar um atestado contento a informação de que "a Cosa Sacra ainda vive".

E era pelo medo de que o velho fantasma da máfia voltasse a habitar as ruas de Roma, rapidamente se espalhando pestilento pelo país, que estávamos ali, tentando contatar o outro dos três subchefes que parecia não se importar com o trágico destino prestes a ser traçado para um de seus companheiros.

A cada dia ultrapassado mais e mais traficantes, seus respectivos pontos de traficância e estoques de mercadorias, eram violados por operações policiais destinadas a saber exatamente o que fazer, "como se fossem premeditadas". Não era preciso ter tantos neurônios assim para suspeitar de que a ação policial era guiada, porque era - por mim- mas Salvatore escolheu concentrar toda sua desconfiança nas costas do injustiçado Falcone, que, até cerca de um mês atrás, costumava ser um integrante valioso e confiável para a Cosa Sacra.

Tanto é preciso sacrificar para obter sua confiança e tão pouco basta para perdê-la.

O ponto é que, para minha infelicidade, nem todos os homens de Matteo possuem uma capacidade intelectual tão baixa quanto a dele. Meu subchefe, Barbieri, era uma das exceções e foi capaz de captar outras coisas suspeitas ocorrendo, neste caso prestes a ocorrer por debaixo das cortinas do repentino êxito investigativo do departamento de polícia.

O cerco se fechando ao redor da família Lafaiete foi um exemplo disso, pois mesmo aposentado, Barbieri ainda possuía contatos suficientes com o poder Judiciário para ter acesso indevido ao processo de Jean, a esta altura "preso" confortavelmente sob custódia do governo francês em solo italiano, pois ainda era apenas um estrangeiro no fim de tudo, filho de um homem diretamente vinculado as relações públicas e, claro, o mais importante, era rico o suficiente para obter privilégios.

Sempre o dinheiro.

O problema foram as descobertas a respeito de seu pai no meio dessa confusão toda, o que eu já sabia, desde o início, que seria encontrado: um dos tantos meios de lavagem de dinheiro do Salvatore, talvez o mais irrelevante deles, é verdade, mas que seria suficiente para traçar a conexão com outra pessoa, essa assim importante o bastante para a Máfia.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora