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Já passa da meia noite, quando entro e me deparo com a iluminação escapando pela fresta da porta, mas Jungkook não está ali. Sei disso porque acabei de deixá-lo em casa depois de mais um jantar improvisado no primeiro fastfood que encontramos pela frente, como tem sido de costume, uma dieta rica em gorduras, nada saudável, feito todo o resto de nossa rotina.
Por algum motivo, o indício de luminosidade exarando de sua sala faz meu coração acelerar em desconfiança. Esse é o sentimento predominante em minha vida, na vida dele, e também na de muitas pessoas desde que essa desgraça Sagrada veio habitar, diretamente das profundezas do inferno, as nossas vidas.
Os policiais supostamente associados de alguma maneira a Máfia foram sutilmente reconduzidos de seus cargos, não tenho porque temer, é o que repito, ao sacar do coldre a arma quase nunca utilizada. Não há mais ninguém naquele lugar, apenas os plantonistas a postos no térreo, cuidando dos bêbados arruaceiros em brigas pela madrugada, acidentes de trânsito no centro histórico, e registros costumeiros de violência doméstica.
Aquele andar estava vazio, nós literalmente fechamos uma repartição inteira para dar espaço a essa operação, todas as salas pertenciam aos nossos agentes e nossos esforços. Um corredor imenso abrigando o fruto do nosso trabalho, mas àquela hora, naquele dia em especifico, não há mais expediente noturno para o setor que investiga a Máfia, um incomum tempo de descanso.
Estou sobrecarregada demais, meus pais já perceberam e se preocupam, me afastei de amigos próximos e de qualquer distração pelo excesso de trabalho. Meus vizinhos estranham porque agora pareço só funcionar e ser produtiva pela noite, mas a verdade é que tenho trabalhado quase 24 horas por dia e sim é uma reclamação, eu tenho direito e mereço mais do que nunca reclamar. Não sou como Jungkook, que acredita que vai mudar o mundo, abrindo um precedente capaz de exterminar o crime organizada da face do planeta Terra, eu tenho sono, eu tenho fome, uma vida amorosa anulada, cansaço acumulado que as vezes me pego questionando se vale a pena tanto esforço.
Sigo reclamando, reclamando para caralho, porque se, ao final, nós dois fracassarmos eu não terei para onde fugir ou correr, uma família estrangeira fora do país para me abrigar ou algo do tipo. Minha vida inteira sempre esteve concentrada em Roma.
Aperto a merda da pistola em meus dedos na posição do disparo me livrando da trava de segurança. Eu não costumo fazer isso, essa coisa toda de empunhar armas me fazendo de durona, fingindo que sei chutar bundas, porque eu nunca fui boa em combate físico, é um milagre que tenha sido aprovada nisso dez anos atrás, mesmo sendo bem menos sedentária do que sou agora, inclusive. Contudo, admito que seria desestressante ter esse poder de chutar alguma coisa, e por isso, chego a desejar, por um instante, que exista algum intruso ao girar a maçaneta da porta da sala sinistra, que Jungkook acredita ser decente. Mas não há nada além da usual pilha gigantesca de papel, que continua a crescer como um monstro se alimentando do nosso desespero ao descobrir novos crimes que se conectam a crimes antigos a cada hora de todos os dias da semana.
Também avisto algumas novidades implantadas em meus poucos dias de ausência: Uma cafeteira, dessas tecnológicas de belos agentes de nível federal que somos agora, e um novo - e desnecessário - quadro de cortiça, como se o antigo não fosse suficiente, com novas fotos e tachinhas, dessa vez multicoloridas, o que é fofo, admito. Tento imaginar Jungkook em seu habitual traje de garoto creepy com um leve toque gótico antissocial – como carinhosamente apelidei – entrando em uma papelaria e saindo de lá com uma sacola de tachinhas brilhantes e post its coloridos. Isso me faz sorrir involuntariamente.
Ele gosta de fotografia e algumas das novas imagens acrescentadas a dedo no seu esquema confuso da Máfia foram tiradas por sua própria lente nos últimos meses, camuflando-se como inofensivo junto de seu olhar apurado entre todas aquelas pessoas, em sua grande maioria, públicas.
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Mi Frantumi
Romance"Enquanto as mãos dele permaneciam sujas do mesmo dinheiro que me enriquecia, eu só rogava aos céus para que continuassem a me tomar como propriedade e me estilhaçar em ínfimas partículas de amor e dor. Eu o amei e não me arrependo." [...] Garoto en...