o desconhecido: o dinheiro não tem cheiro

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[semana três]

Ele poderia ser meu inimigo e dentro de um plano maior eu seria um peão manipulável. Como massa modelável, me desmanchando até ganhar a forma desejada em seus dedos cheios de intenções que não são observáveis a olha nu. Por isso tentei despi-lo e ainda sigo tentando.

No começo um desafio. Agora, questão de honra e, antes de honra, sobrevivência.

O céu tem se tornado mais pesado, tão escuro quanto sua própria casa e as paredes antigas da cobertura de luxo, que já não me parece tão amigável e confortável quanto no dia um, o da primeira vez em que acordei em sua cama para um café da manhã, no qual minha única e principal preocupação se voltava na direção do futuro improvável de uma relação que, desde sempre, foi problemática. Dentro dos meus sonhos, mesmo quando isolada no quarto compartilhado da antiga escola, eu já sabia, no fundo, que o amor platônico seria sempre uma ancora pesada fincando meu coração em um lugar perigoso demais para se aventurar por tantos anos.

O que era incialmente impossível, no entanto, foi concretizado e foi intenso o bastante para que me atrapalhasse no caminho de compreender se tenho amigos aqui ou se fui amaldiçoada, contando do berço, a estar cercada de inimigos.

O rosto consternado de Jimin, desenhado de perturbações que não quis compartilhar, os fios descoloridos molhados da tempestade - cada vez mais frequente neste novo e sensitivo mau tempo de Roma - me contaram que sempre haveria algo sobre ele que amor algum no mundo, e mesmo o mais puro deles, poderia me revelar. E depois dele próprio perturbado, os noticiários, muito mais impessoais que tudo o que sinto diretamente todos os dias, ajudaram a alimentar a desconfiança plantada na minha infância, desbrotada na adolescência e que começava a dar frutos agora no início da vida adulta.

O rosto da investigadora era sereno e as palavras que disse atravessaram a imagem bem definida da TV com a segurança que eu gostaria de ter para externar as coisas que se passam por minha cabeça. O diplomata francês não era uma boa pessoa. Em suma, era o que ela dizia na ideia lógica carregada pela informação de que ele praticava crimes de natureza financeira. Seu filho, o garoto que quase havia estuprado Elena meses atrás, desencadeou a investigação da qual falava a mulher elegante, bonita dentro de trajes sociais e entonação séria.

Por meio do dinheiro da venda de drogas no campus da La Sapienza chegaram até seu pai e o nome do diplomata, por sua vez, foi suficiente para que especulações fossem levantadas pelas brechas do que a mulher não quis dizer, ou pelo que as pessoas inferiram por conta própria através do que foi dito. Outros nomes foram cogitados, dentre eles o do Primeiro Ministro, também conhecido nas horas vagas como meu pai.

Pelo que havia averiguado, em publicações no Twitter e comentários em páginas de jornais famosos, nenhum outro político havia sido tão correlacionado as movimentações financeiras investigadas quanto papai, e talvez isso se devesse, sobretudo, ao fato de ter sido invocado na própria ocasião em uma das perguntas realizadas. A investigadora não fomentou a suspeita e cortou o jornalista com um sorriso superior que eu gostaria de sustentar, ajeitando seu terno de mulher que não se intimida facilmente para longe dos longos cabelos escuros.

Sua resposta pareceu clara o suficiente e, apesar disso, os juízes da internet, pessoas leigas, mas suficientemente revoltadas, não deram ouvidos ao que disse a pessoa responsável pelo caso. Eu mesma fui incapaz de afastar a ideia dos meus pensamentos, não posso fingir hipocrisia, em especial por se tratar da pessoa mais influente daquele país.

O rosto do Jimin e seu comportamento estranho dos últimos dias vieram naturalmente se aliar aos comentários de ódio direcionados a meu pai, porque de alguma forma, e mesmo que não entenda ainda porquê, sinto que os dois tem intimidade suficiente para que saibam segredos como aquele: um esquema de desvio de dinheiro público, se este for o caso. É o que minha intuição diz e infelizmente tenho motivos próprios para acreditar que meu pai seria capaz de coisas assim, como, por exemplo, os documentos em línguas estrangeiras em seu nome na gaveta do escritório do seu "advogado de estimação favorito".

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora