fragmentos: alegrias violentas têm fins violentos¹

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O pecado é o desvio da virtude cometido nas profundezas do rompimento que esfacela a alma, o que fez dele um assassino antes de se reconhecer como adulto.

A quebra do mandamento não deixou dúvida: ele protegeu uma vida e tomou quatro em punição.

Naquelas horas, a ilha se apossou de um novo algoz, quem levaria dali ao futuro o peso do capuz e o peso da foice - o imprescindível para a construção de uma narrativa a qual você, leitor, está interessado em compreender.

Não há ponto final.

Não há fácil afirmação como, por exemplo, dizer que Jimin puxou o gatilho e, antes dele, Andrei vacilou em seus ossos aniquilados por medo de manusear uma arma. Tão logo as horas se encerrassem sobrariam apenas os dois, autoproclamados pecadores.

A sobrevivência atrelada a alguns crimes, a vencer os disparos ou esperar alguém tomando a posição de atirador em seu lugar, ela é maldita. Ou se mata ou se é morto. A culpa abandona o pecador e se junta ao responsável pela sombra. Ou se convence da mentira presente na desculpa oferecida na inversão do ônus - de que foi ele e, na verdade, não você quem tomou a vida do corpo da jovem esposa - ou se despedaça nos confins do inferno pelo fim das eras.

Jimin precisou de alguns anos.

A Andrei faltaria tempo para remoer no mundo a própria dívida compartilhada e é possível que não o tenha o feito por mais que alguns segundos de tortura, todos os dias, antes de dormir. Noites após noites e tudo sempre deu movimento ao ciclo sem fim, em que deveria continuar, apesar do sangue, acreditando que no final a escolha foi usurpada, mas ele seguia vivo, e as injustiças eram versadas pelas letras de um poema composto pelo poeta no topo do mundo*, da hierarquia a qual nunca esteve presente para saber se o esforço de destruí-la seria compensador o bastante para instigá-lo a tentar. Portanto, não tentou.

Jimin sim.

Pelos dois.

Porque quis.

Por vingança e só vingança.

Por gana e instinto.

Depois e tarde demais.

Na madrugada ecoou, enquanto respirava até transformar-se em fantasma ao tornar a mulher também espectro. A massa opressiva da chuva exercia influência sobre o mediterrâneo, o ar noturno feito da água que caiu no mesmo instante em que o corpo dobrou-se sem vida, no trovão que abafou o tiro.

Jimin pensou sobre como Deus parecia disposto a encobrir seus rastros para o anjo que longe dali repousava.

Ela tinha medo da chuva, ao despertar teria nojo de sangue.

Beatrice não viu sua mãe engolir o cano do revólver, não escutou enquanto exigia de seu assassino um último fio de lealdade, no momento em que dor e ausência, em movimento centrífugo, tornaram-se um único bolo na garganta, o do início do autoflagelo. A penitência dele não se encerrou no prazer da retaliação, vinda anos mais tarde, após cuspir no mar tirreno as mentiras contadas - suas meias verdades.

Na conclusão daquela história, de final abrupto e certo, a bela Salvatore não se permitiu extrair dele pedacinhos de responsabilidade, pois sabia que não lhe pertenciam. Ainda assim, seu fantasma voltaria para apontá-lo como culpado.

Julieta não puxou o gatilho.

Julieta não se fez louca.

Julieta não transformou sua alma no vento que arrastou os galhos das árvores, a poeira que assentou os ossos dos mortos nas noites seguintes, nos anos seguintes e nos passos do corpo encapuzado de seu carrasco. Foi Matteo. O dono das sombras, da ilha, da maior parcela da culpa sem cálculo exato porque já não valia a pena estipular a extensão dos danos.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora