tradutor: não me conte mentiras!

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"Ei, não acha que esse quadro já tem coisa demais?"

É a primeira pergunta que escapa da minha boca no momento em que entro, sem pedir licença, no completo caos da sala do tradutor Jeon.

Entre pilhas e mais pilhas de arquivos, documentos amontoados na mesa de mogno e suas duas cadeiras, me sinto idiota acompanhada das minhas singelas, mas trabalhosas, dez páginas de uma pesquisa que me tomou quase o último mês inteiro. Um compilado de inutilidades, que seria facilmente esquecido no meio da baderna que aquele garoto chamava de ambiente de trabalho. Se o antigo Investigador, ele sim capacitado para o exercício desse cargo, se deparasse com o tamanho da bagunça realizada em seu precioso e velho escritório, tenho certeza de que teria se demitido do cargo, sendo, assim, desnecessária sua remoção.

Eu costumava ser a responsável por descartar os papeis inúteis e arquivar aqueles úteis, mas em desuso, e fazia isso cheia de todo o amor do mundo, porque admirava o Detetive Greco com toda a minha vida. Ele foi meu mentor quando ainda era mais nova e ingressei em sua equipe, na época ainda no posto maltratado de estagiária. Era o homem mais correto e justo que tinha conhecido até ser removido, ou seria correto dizer promovido, quando um maldito advogado rico decidiu enviar uma carta com ideogramas do coreanos que ninguém conseguiu decifrar direito, felizmente - ou infelizmente - porque no seu conteúdo, entre outras coisas, apontava nomes importantes da política e administração pública como os responsáveis por um gigantesco esquema sujo, sangrento e muito bem organizado de corrupção em massa, nomes como o do meu estimado Detetive Greco.

Decepções da vida, é, elas acontecem.

Foi assim que Jungkook assumiu seu lugar, um tradutor de merda, mais novo, mais imaturo e mais bobo, enquanto o homem justo, que na verdade era um belo de um corrupto, foi promovido a uma ocupação de salário mais gordo a fim de se manter afastado da Investigação porcamente intitulada de "Operação Cosa Diabolica*", porque as pessoas não são muita criativas nessa droga de Delegacia. Eu teria escolhido um nome melhor, por exemplo, mas não me consultaram, apenas ocorreu que, em um belo dia dos últimos seis meses, eu dei inicio ao expediente e todos os arquivos relacionados a Máfia Cosa Sacra haviam sido movidos para uma pasta interna do sistema, que possuía esse belíssimo e empolgante trocadilho como nome.

A questão é que precisávamos de alguém para traduzir corretamente as coisas que o advogado "serial killer" enviasse e não é como se existissem tantos fluentes em coreano trabalhando na Polícia do Estado. De acordo com o nosso Delegado, tivemos a boa sorte de encontrar alguém disposto a se mudar para Roma capacitado, sem precisar envolver alguém completamente​ despreparado na Operação perigosa - e Satânica. A "sorte" de promover um simples tradutor, recém-saído da puberdade, a importante função de Investigador de Polícia.

Aquele garoto tinha no máximo 25 anos, no muito, e sendo sincera não me dei ao trabalho de procurar saber de que buraco ele havia saído, quanto menos informações eu tivesse, menores seriam as chances de me estressar com a situação, se é que isso era possível. Tudo que eu sabia é que, antes da carta do advogado, ele morava em alguma comuna de Florença* e agora estava ali me enchendo a paciência e ocupando meu precioso tempo com buscas e pesquisas que não ajudariam, não de verdade, a prender qualquer um dos nomes colados belamente em seu quadrinho da Máfia.

Jungkook se deu ao trabalho de criar uma espécie de árvore hierárquica que ia do mais inútil dos soldados até o Chefe da porra toda, vulgo o atual Primeiro Ministro do país. Contudo, se ele quisesse mesmo colocar cada pessoa envolvida nessa rede de crimes interligados em seu desenho bonitinho, acho que nem mesmo toda construção arcaica da Delegacia - que as pessoas chamam de barroca - daria conta da quantidade de nomes. Eu estava lá no dia em que Dr. Park se encontrou, pela primeira vez cara a cara, com o Delegado Mancini e uma vez que começou a indicar novos envolvidos, para além dos que já havia listado em sua cartinha coreana, simplesmente não parou mais por sei lá quanto tempo.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora