despedida: vale dos suicidas¹

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Você pode encontrar outra verdade, uma forjada com sangue e escrita à base de dor. É possível que ela seja composta depois do corpo caído.

Enquanto a lua se esconde lá fora e também há morte sujando a praia, eu me tranco no banheiro e te conto uma versão cruel sobre o mundo: homens mentem, homens gritam, homens te convencem da falta de juízo e depois te matam.

Para o caso de crescer ouvindo qualquer coisa diferente disso, ou histórias sobre sua mãe psicótica, aqui vai um pedaço da minha verdade.

Eu me importo com você, só não o bastante para ficar.

Desculpe.

Seria um bom começo, mas eu não mudei de ideia.

Foi premeditado, embora o resultado tenha saído em forma de tiros irrompendo uma adega cheirando à uva maturada. Não era bem o esperado e não adianta tentar remediar o que foi feito como irremediável.

Há sangue, seja lá em que cova afundarão aqueles corpos. Haverá sangue.

Se fosse crescida o bastante, não uma criança perdida entre os meus traços e os de um monstro, você saberia como seria um mundo em que a velhice tivesse me beijado prematuramente e dado a você a idade adulta. Então, eu não seria algo além de uma idosa problemática depositando as expectativas de todos os anos desperdiçados nos ombros da filha que eu nunca quis ter. Seria sua obrigação me proteger, como agora deveria ser minha responsabilidade te observar de perto.

Mas eu não vou.

Não vou te ver mulher.

Há sangue no banheiro, sangue no espelho. O vermelho sempre foi tinta exposta nas paredes do castelo e, finalmente, ele conseguiu arrancar do meu alcance o resto do solo fértil onde eu cultivava as ideias úteis.

Por isso, eu não vou envelhecer.

Estou cansada de olhar o vento e desejar que me leve embora, sem agir positivamente até desaparecer. Sinto ele dentro de mim, cansando meu corpo, entupindo meu cérebro, mas não vai me arrastar até a janela, a menos que eu mesma decida caminhar até ela, depois me livrar dos sapatos e saltar do parapeito em direção às pedras do nosso jardim.

Ele me irrita e a natureza, que antes costumava admirar, torna-se feia.

As cores crescem em uma escala de cinza, Beatrice. O certo e o errado se misturam.

Não te ensinam o que fazer com esse tipo de instinto, o que fazer quando não há nada além dele e essa feiura, essa falta de pigmento, se não ela, a dor psíquica de origem desconhecida, toma conta do mundo.

Eu não suporto mais a falta de vida.

Tentei me esquecer, por um momento, do sangue na areia, do motivo por trás dos meus medos e do que as pessoas chamam de loucura, quando tudo deu errado. Busquei silenciar minha língua das palavras, porque também me recordam de como tudo se perdeu.

A vida na máfia não é algo fácil de se explicar a uma menina de doze anos. Você não vai compreender o que não sonhar significa.

Mas se me ler e se crescer o suficiente para desvendar os mistérios dos crimes e entender do que é feita uma dor assim tão grande, talvez descubra por conta própria exatamente o porquê permanecer aqui não é mais uma opção.

Eu prefiro que nunca entenda.

Desculpe pela bagunça, pela sujeira. Por tudo que minha morte fará com sua vida. Meu fluído correrá vivo por muito tempo em suas veias, mas meu corpo já está frio e morto antes do sepultamento.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora