epílogo: a salvação

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"Você não tem espaço para a luz,

o amor está perdido em você".

(Lana Del Rey)


Ele era um corpo vacilante perdido em meio à vastidão de uma sala circular.

No átrio, do balcão de concreto, ao centro, de frente para o elevador, um funcionário entediado julgava a cena com fastio. Aquilo era mais do que poderia esperar e muito mais do que merecia ter. Jimin sabia, reduzido a posição de prisioneiro estrangeiro liberto e, se pudesse escolher, teria descido os andares de escada, apenas para sentir que suas pernas ainda possuíam alguma utilidade, enquanto valia a pena.

As mãos presas, pela última vez, na altura da virilha, não o envergonharam. Suportou os olhares do lado de fora do prédio bonito com a desenvoltura de um inocente, mesmo sendo irremediavelmente culpado.

O livraram das algemas. As pessoas que, anteriormente, o viram pelos corredores não lhe diziam nada, não suscitaram qualquer sentimento. Eram vultos silenciosos, apesar de curiosos e, para o antigo carrasco da Cosa Sacra, homens e mulheres descartáveis, com rostos sem contornos reais, tão diferente do feminino que o alcançou no saguão e fixou o olhar nas ações dos agentes penitenciários.

Ela estava lá, sem qualquer aviso.

Uma mulher feita e refeita pela dor. Nada nela se confundiria com a amabilidade ingênua de uma menina. Uma cópia da mãe, destituída da ferocidade da genitora. Olhos castanhos brilhando contra a luz do dia, o primeiro afago antecedente ao toque.

Parou ao seu lado esquerdo — a localização do coração —, segura dos seus próprios atos, sem qualquer vestígio de repulsa.

A indiferença cansada do homem foi trincada pelos dedos finos, que substituíram o metal em seu pulso, um aperto leve sobre os ossos dele, o toque de alguém por quem poderia ter feito tanto, quando a vida era mais que dias repetidos de um número liquidado em uma sentença.

Lembrou-se do décimo andar, no qual recebeu sua liberdade. Não era melhor que o térreo dos curiosos. Os funcionários treinados de anos, não o enxergaram de verdade — como ela, naquele momento, fazia. Ser invisível era quase pior do que ser excessivamente notado. Ele nunca teve um nome, nunca sentiu que merecesse um, apesar de ter ouvido prenome e sobrenome, repetidos, na boca de estranhos. Já não o possuía em uma história anterior aos fatos que o definiam: crimes.

Palavras, ações e circunstâncias penalizadas retiraram dele a identidade e muito mais: as fatias do que felicidade deveria ser. Tinha 40 anos naquela tarde, um pouco mais ou um pouco menos, não sabia de nada, a não ser a certeza de que queria passar o resto da vida sozinho. Mas a mulher desafiou a solidão friamente alimentada e escrita pelos homens. Ela não era um juiz para decidir como Jimin viveria a vida, ainda assim, o fez, em prol dele, que merecia perder mais anos do que a sentença havia tomado..

A pena não foi não razoável, viciada pelo acordo assinado e, mesmo distante do local do contrato, os cochichos e olhares acompanharam os vigilantes — que observaram o peculiar casal deixando a corte — pois não eram obrigados por um ofício a mentir imparcialidade.

Não disseram nada um ao outro, a princípio.

Jimin aceitou caminhar ao lado da sobrinha, em seu primeiro dia de liberdade.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora