♰
"Você não tem espaço para a luz,
o amor está perdido em você".
(Lana Del Rey)
♰
Ele era um corpo vacilante perdido em meio à vastidão de uma sala circular.
No átrio, do balcão de concreto, ao centro, de frente para o elevador, um funcionário entediado julgava a cena com fastio. Aquilo era mais do que poderia esperar e muito mais do que merecia ter. Jimin sabia, reduzido a posição de prisioneiro estrangeiro liberto e, se pudesse escolher, teria descido os andares de escada, apenas para sentir que suas pernas ainda possuíam alguma utilidade, enquanto valia a pena.
As mãos presas, pela última vez, na altura da virilha, não o envergonharam. Suportou os olhares do lado de fora do prédio bonito com a desenvoltura de um inocente, mesmo sendo irremediavelmente culpado.
O livraram das algemas. As pessoas que, anteriormente, o viram pelos corredores não lhe diziam nada, não suscitaram qualquer sentimento. Eram vultos silenciosos, apesar de curiosos e, para o antigo carrasco da Cosa Sacra, homens e mulheres descartáveis, com rostos sem contornos reais, tão diferente do feminino que o alcançou no saguão e fixou o olhar nas ações dos agentes penitenciários.
Ela estava lá, sem qualquer aviso.
Uma mulher feita e refeita pela dor. Nada nela se confundiria com a amabilidade ingênua de uma menina. Uma cópia da mãe, destituída da ferocidade da genitora. Olhos castanhos brilhando contra a luz do dia, o primeiro afago antecedente ao toque.
Parou ao seu lado esquerdo — a localização do coração —, segura dos seus próprios atos, sem qualquer vestígio de repulsa.
A indiferença cansada do homem foi trincada pelos dedos finos, que substituíram o metal em seu pulso, um aperto leve sobre os ossos dele, o toque de alguém por quem poderia ter feito tanto, quando a vida era mais que dias repetidos de um número liquidado em uma sentença.
Lembrou-se do décimo andar, no qual recebeu sua liberdade. Não era melhor que o térreo dos curiosos. Os funcionários treinados de anos, não o enxergaram de verdade — como ela, naquele momento, fazia. Ser invisível era quase pior do que ser excessivamente notado. Ele nunca teve um nome, nunca sentiu que merecesse um, apesar de ter ouvido prenome e sobrenome, repetidos, na boca de estranhos. Já não o possuía em uma história anterior aos fatos que o definiam: crimes.
Palavras, ações e circunstâncias penalizadas retiraram dele a identidade e muito mais: as fatias do que felicidade deveria ser. Tinha 40 anos naquela tarde, um pouco mais ou um pouco menos, não sabia de nada, a não ser a certeza de que queria passar o resto da vida sozinho. Mas a mulher desafiou a solidão friamente alimentada e escrita pelos homens. Ela não era um juiz para decidir como Jimin viveria a vida, ainda assim, o fez, em prol dele, que merecia perder mais anos do que a sentença havia tomado..
A pena não foi não razoável, viciada pelo acordo assinado e, mesmo distante do local do contrato, os cochichos e olhares acompanharam os vigilantes — que observaram o peculiar casal deixando a corte — pois não eram obrigados por um ofício a mentir imparcialidade.
Não disseram nada um ao outro, a princípio.
Jimin aceitou caminhar ao lado da sobrinha, em seu primeiro dia de liberdade.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mi Frantumi
Romance"Enquanto as mãos dele permaneciam sujas do mesmo dinheiro que me enriquecia, eu só rogava aos céus para que continuassem a me tomar como propriedade e me estilhaçar em ínfimas partículas de amor e dor. Eu o amei e não me arrependo." [...] Garoto en...