dez segundos: me dê um motivo

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(ATENÇÃO: A primeira parte deste capítulo contém uma cena de violência explícita)

01h00

...

Era incrível como tão pouco era necessário para o muito, tão pouco e uma sujeira tão grande.

Eu não estava feliz e todas as horas que nos conduziram ao momento em questão, foram tortura nos ponteiros do meu relógio, que pareciam mover-se em câmera lenta e tortura também era exatamente o que aquele garoto não sabia fazer.

Em qualquer outra noite eu teria sido paciente, me considero calmo o bastante na maior parte do tempo, mas estava diante do quase desfecho do dia que teve como ponto de partida a entrega da correspondência que eu mais temi a ansiei receber nos últimos meses. A carta ainda estava confortavelmente abrigada no bolso interno do meu casaco e, por vezes, a sentia como se carregasse a um tijolo, não um pedaço de papel inofensivo, porque não tive uma pausa sequer para tocá-la direito e eu precisava abri-la, aquilo estava me consumindo. Queria muito ter paz suficiente para isso, nem coragem de deixá-la esquecida escondida em algum canto do meu apartamento eu tive, era o rumo da minha vida contido naquelas linhas, por esse motivo, as arrastei por todos os lugares, do café da manhã até o almoço, do blazer durante uma audiência pela tarde até o sobretudo negro que me protegia do maldito ar gelado que infesta o porto de civitavecchia* na maior parte de todas as noites do ano.

Estava frio, aquele garoto me estressava e eu só queria ler a maldita carta em paz, mas quando coisas ruins acontecem, eu adianto, elas acontecem em peso, várias, uma cadência de pequenas desgraças e nem se eu fosse o próprio Jó reencarnado eu teria paciência suficiente para tolerar essa imundice. N-e-m f-o-d-e-n-do!

O trabalho era tão simples que chegava a ser idiota ter que arrastar o principezinho da França até ali. Andrei havia dado o apelido infantil, mas até que fazia sentido naquele contexto, um principezinho mimado brincando de ser parte da máfia. Jean Lafaiete (e o próprio nome já dava indícios de que não poderia ser outra coisa, senão mimado) era filho do homem que concedeu benefícios pouco louváveis ao Salvatore na embaixada Francesa na Itália. O pai dele, embora igualmente engomadinho, foi escrupuloso o bastante para entender que as coisas deveriam parar por aí, mas sua cria inútil, provavelmente um entusiasta de filmes da máfia dos anos 90, quis ir mais a fundo e Salvatore embarcou na ideia de deixar esta criança demente brincar de ser gangster como meio de devolver os favores concedidos pelo seu genitor. Pelo menos esta é a teoria que desenvolvi observando de perto seu desempenho, porque ele é péssimo, não faz nada direito se não for movido por sangue, mas não é consciente o bastante para entender que sangue nem sempre é a resposta para todas as perguntas.

Eu não parei para contar as pessoas que matei nos últimos anos, mas eu não sou um serial killer, não é como se matássemos dez pessoas em um mês por aqui, muitas vezes eu não alcançava esse número em um ano. Um ano! Chamamos de execução qualquer ação dentro da máfia que envolva violência física ou psicológica, é verdade, mas a morte é a última das opções, existe uma lista imensa de possiblidades antes dela e eu tenho por costume não descartar nenhuma.

Ninguém aqui mata porque gosta de matar, há sempre algo por trás disso, dinheiro na maior parte das vezes, um motivo fútil, reconheço, mas é como diz aquele versículo bíblico, dê a "César o que é de César"* ou acerte as contas com a lei dos homens e ganhe um atalho para o reino de Deus. Contudo, antes disso, do inferno ou paraíso, é preferível obter o devido por meios menos traumáticos, uma conversa amigável, seguida de uma um pouco mais truculenta, depois uma breve sessão de tortura, ou, quem sabe, um sequestro tranquilo de algum membro da família, se a pessoa se importar com a que tem (é bem comum que prefiram o dinheiro, por mais absurdo que pareça), e então, e só então, esgotando-se todos os outros meios, optamos pela execução propriamente dita, para obter aquilo que é de propriedade da máfia, valores pecuniários e favores, ou apenas como meio de coação e prevenção externa, como qualquer outra boa aplicada.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora