um plano: conquiste a confiança

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Pela minha experiência prévia, de alguns bons relacionamentos - tantos outros horríveis que acabaram em terapia e traumas nunca superados, também aqueles casos de uma única noite, de pessoas aleatórias escolhidas sem muito critério - especialmente em minha época de universitária - eu sempre soube não ser uma boa ideia desdenhar de uma boca sem antes tê-la beijado. Nunca diga nunca, porque o mundo gira, as pessoas capotam dopadas de vinho e eu gostaria muito de dizer que é esta a moral da minha história, mas infelizmente isso não é minha trajetória prévia se repetindo em condições normais, em uma vida normal. Porque posso morrer dentro de alguns meses, algumas semanas, ou alguns dias. E isso diz muito sobre decisões precipitadas.

Sou o rosto de uma investigação que se propõe a acabar com a maior máfia da história do país contando com a ajuda de um assassino. E ainda assim, ignorando toda previsão das desgraças, eu me dopei de vinho e beijei uma boca que não deveria ter beijado. Ponto final e talvez eu nunca tenha sentido tanta vontade de socar minha própria cara quanto agora.

Que minha vida não é mais minha, que não tenho mais controle de porcaria alguma faz uns bons meses eu já sabia. Mas porra Deus, dentre tantas possibilidades e uma vida sexual anulada, eu poderia ter me livrado disso! Tem um mundo se acabando lá fora - nem tão metaforicamente falando e me reservo o direito de ser dramática, porque sim, o drama é justificável - mas eu não só decido ser uma boa ideia encher a cara de vinho, como ainda considero o cenário ideal para trocar saliva com meu companheiro de trabalho, vulgo o garoto insuportável que venho estapeando mentalmente desde a primeira vez que nos vimos e fui obrigada a compartilhar com ele do meu precioso tempo.

Cecília eu entendo que você não saí com ninguém há muito tempo, mas esse garoto? Não posso nem chamar de falta de critério, o nome disso é desespero.

Jimin, você está feliz seu psicopata mau caráter? Eu espero muito que esteja, sendo um filho da puta destruindo não só vidas, mas fodendo com relacionamentos interpessoais e interprofissionais. Esperava sinceramente que Beatrice Salvatore estivesse pelo menos aproveitando aquele relacionamento bizarro sendo bem tratada, porque alguém, em algum lugar, precisava estar se divertindo naquele momento, nem que seja Deus jogando The Sims com as nossas vidas no céu.

Me recusava a acreditar que essa vergonha que eu estaria passando seria tão de graça.

Puta merda.

Os pensamentos aceleram quando sou atingida por um único feixe de claridade da janela que, suspeito, esteja emperrada. Minha cabeça dói. Ressaca de vinho de procedência duvidosa, já passei por isso, por coisas bem piores e posso administrar a situação, é claro que sim. Também posso lidar com a ausência do garoto na cama que não é minha, definitivamente não é mesmo minha, pois tem o cheiro dele na porra da casa todinha e quando analiso meu próprio corpo, braços e cabelo, além do doce e enjoativo aroma alcoólico de uva - como uma boa bêbada - percebo que há perfume dele pela extensão dos meus fios. É como se tivéssemos transado e por um segundo de pane volto as memórias da noite passada com medo de que essa ideia seja uma verdade, mas não aconteceu.

O fundo do poço estava lá, estava sim, mas ainda poderia escalar até a superfície.

Potencializa os níveis de irritação, sentir o cheiro dele e não encontrá-lo. Porque não sou a primeira a acordar e perco com isso a grande oportunidade de pensar com mais calma nos rumos constrangedores que tomarão todos os próximos diálogos.

Preciso ir embora o mais rápido possível, parte de mim diz, mas outra - e a maior - gosta do aconchego de uma cama macia depois de tanto tempo acordando tão cedo todos os dias. E quanto mais eu dormisse, por mais tempo evitaria encarar aquele pequeno problema, que andava pelos cômodos, eu conseguia ouvi-lo. Abrindo a geladeira, depois indo até o banheiro, abrindo o chuveiro e agora sou capaz de pensar no corpo debaixo daquela ducha. Está vendo? Um dos efeitos colaterais de ter beijado uma boca indesejada. É impossível controlar o fluxo dos pensamentos depois disso. Não dá. E eu só espero por ele, sendo fermentada em meu próprio desgosto, conferindo as mensagens no celular, uma delas me contando que Mancini saiu em viagem emergencial, mas nada que exija nossa presença na Delegacia.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora