depois: com sangue entra, com sangue sai

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Fevereiro, 2016


Começando a história do fim, eu poderia dizer que sobrevivemos.

O quanto isso é verdade, no significado mais primitivo da palavra — prevalecer após uma sucessão de eventos traumáticos — não cabe a mim responder em nome de todos os envolvidos. Mas, para todos os efeitos, estou aqui.

Meu nome é Cecília Benedetto e eu sobrevivi.

Esta é uma retomada puramente factual daqueles últimos dias, quando o país ardia em chamas e a temperatura do verão era a menor das reais preocupações. Espero que sirva de algo, não sou muito boa remoendo lembranças, mas gostaria de melhorar a cada dia. Enquanto visto a carapuça da mais nova integrante da história recente, confesso não entender as felicitações pelo nosso fracasso.

Mancini morreu um mês depois ...

Posso pensar sobre o depois como um fato isolado do resto dos eventos? Eu deveria?

Acho que me sinto mais tranquila de não deixar um nome escapar, se citasse cada um dos envolvidos, também não entendo bem até que ponto fazer disso um obituário facilitaria minha vida. São muitos documentos, não tão úteis, recortes das notícias publicadas — nada que o Google não pudesse contar em uma pesquisa palatável bem filtrada. Sugiro os seguintes nomes, aos que se importam, aos que, de alguma forma, chegaram a conhecer a verdade.

Dois, que puxam desconhecidos em efeito dominó.

Primeiro o Delegado.

Lorenzo Mancini.

(Anoto o nome e negrito a palavra)

Em poucos minutos o branco da página, em aberto, é preenchido pela fonte padronizada. O barulho do teclado acalma um pouco a pulsação acelerada, presa ao receio de dizer muita coisa, em informações que extrapolem o seguro.

Ele foi alguém honesto que optou pela desonestidade, enquanto idiotas, sob seu comando, tomavam tiros de mafiosos armados.

A traição dele doeu aos poucos.

Foi o primeiro a ter a casa revirada, a ver o sangue escrito nas paredes, por isso, só não parecia ter sentido.

Traição*, inclusive, é minha palavra chave, algo fácil e condizente com o paralelismo traçado pelos escritos do poeta velho para um caralho. Beatrice tem feito algo medonhamente bonito com aquele inferno, nada comparado com os parágrafos que construo, monotonamente, ouvindo o tec tec tec meio calmante das teclas. Não quero soar pretensiosa, mas, na minha humilde opinião, essa seria uma ótima inserção ao último círculo do mapa de Dante. Vejamos.

Eu não sou idiota, estava um pouco estressada, é verdade, mas não cega. Logo entendi, quando o delator saiu de pulsos livres correndo como um míssil teleguiado até a menina.

Mancini deixou o cara ir, pensei, e uma parte pura, em mim, preferiu acreditar que a condescendência decorreu dos motivos narcisistas do meu Chefe, amansando a fera, dando biscoitinhos para, ao final, desfrutar a imensa glória daquele sucesso sozinho. Que Mancini se fodesse mil vezes! Eu não queria homenagens e condecorações, eu precisava de paz e acho que, por esse motivo, não deixei que, naquele momento, a ideia de uma corrupção combatida às custas de mais corrupção "tolerável" corroesse meu cérebro.

Mas então ele fez de novo.

E pagou com a vida.

Traidor uma vez, digno de perdão. Duas vezes, é pintar um alvo no meio da testa. O Dr. Park saberia explicar melhor a lógica por trás do pensamento. Teria alertado o Delegado sobre as consequências, mas uma escolha diz muito mais que avisos e ele se filiou ao número dois — dessa lista por amostragem, que realisticamente é composta de numerosas dezenas, entre policiais e funcionários da justiça, parlamentares e empresários.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora