inferno: vasculhe os pecados, mapeie a mentira

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[semana um]

Eu achei que poderia lutar contra isso, não contra ele, obviamente, e percebi um pouco tarde demais.

O motivo por trás da minha relutância inicial em aceitar o convite, tão gentilmente ofertado por Jimin era óbvio: Um único apartamento e duas pessoas que soltam faíscas quando se encontram, uma reunião que não só pode como vai dar errado, mais cedo ou mais tarde. Uma certeza, conclusões bem fáceis de serem tomadas com apenas poucos segundos de reflexão. Contudo, acima de qualquer empecilho que minha cabeça tenha criado, eu não precisei de muito para admitir que desejava mesmo passar algum tempo longe de casa. Era uma necessidade e meu pai quase agradeceu a Deus, visivelmente satisfeito, quando comuniquei a respeito do destino escolhido, sem muitas alternativas, para o período de férias.

Ele me queria longe e eu precisava de algum tempo para organizar alguns pensamentos a respeito de tudo que tinha vivido até ali. E posso garantir, foram coisas demais.

Poderia até ser bobagem, mas na metade de um ano eu vi minha mãe invadir meus sonhos como nunca havia feito até então, vi uma pessoa ser presa, fui aparentemente perseguida por um policial e observei de perto o movimento suspeito dentro da mansão, em horários inadequados, se tornar cada vez mais contínuo. Uma história conhecida da minha infância que se repetia, mas agora, diferentemente do passado, uma chave havia virado e as engrenagens das minhas ideias pareciam se encaixar e funcionar na direção perigosa da desconfiança exacerbada.

Não, eu ainda não fazia ideia do que se tratava aquele monte de informação solta e, no entanto, de alguma forma, já entendia que tudo ali estava conectado por algo maior que no momento não sou capaz de dizer. Precisava me concentrar em descobrir os motivos e talvez, só talvez, aquele tempo longe da vigília rigorosa do meu pai fosse o acúmulo de dias necessário para permitir que minha mente trabalhe nas melhores suposições.

Nápoles seria o lugar ideal, nada me tira da cabeça e foi o que inicialmente planejei, o ponto seguro para sair em busca das minhas respostas. A Ilha de Capri, como havia recentemente descoberto ao acessar notícias antigas a respeito da morte da minha mãe. Eu nunca tive noção da dimensão do poder da minha família até me dar conta de que nossa vida parece estar documentada em notícias de jornais e capas de revistas. Do meu nascimento ao falecimento de Julieta Salvatore, as pessoas sempre souberam de tudo, enquanto eu nunca soube de nada. Uma vida pública desfrutada pelo meu pai e que, apesar disso, para mim ainda permanece envolta de muitos mistérios.

Seria possível pessoas tão influentes manterem segredos dos quais eu me envergonharia se soubesse? É o que tenho me perguntado, dentre tantas outras dúvidas.

Entretanto, a misteriosa Ilha de Capri de que todos falavam em Roma, mas de que pouco se sabia, é um destino inviável para o turismo de uma estudante desfrutando de suas primeiras férias universitárias, pelo menos neste momento sou obrigada a aceitar que seja assim e como opção reserva, o apartamento dele foi o mais longe que consegui chegar, o mais perto que chegaria de fugir dessa dor estranha que meu pai continua a cravar dentro do meu peito, dos seus mistérios, que nos meus sonhos, com a ajuda da mamãe, assumem formas cada vez mais tenebrosas.

Seja o que for, sei que vai me machucar, mas seja o que for, não vou deixar que me destrua.

Ele não me queria ali de verdade, Jimin só me queria longe de Nápoles. Aquele convite foi um improviso do momento, em que situações desesperadas pedem medidas igualmente precipitadas e o nome de Elena, evocada como uma boa companhia e agora percebo, também uma boa amiga, o inquietou de uma forma que não me passou despercebido, como tudo, como absolutamente cada detalhe desde que nos beijamos pela primeira vez.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora