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Na casa esquecida em Nápoles havia um porão com a coleção de bebidas do vovô, uma construção a parte, afastada por um interminável lance de escadas, localizada abaixo do pomar de frutas silvestres e de acesso restrito. O porão era vedado, completamente lacrado, ainda que da porta de vidro fosse possível admirar o que tanto o cômodo buscava proteger. As garrafas, sendo sincera, não costumavam me atiçar a curiosidade quando criança, não era divertido para quem sequer sabia que gosto um vinho tinha. No entanto, agora, adulta e perdida, estou novamente ali. Não há trancas e correntes pesadas na porta como eu me lembrava e olhando os degraus que separam o porão do restante da casa só vejo a penumbra, mas o lugar está aberto pela primeira vez e o cheiro que dele emana é surpreendentemente agradável.
As paredes, feitas de pedra, parecem absorver o cheiro do mar de modo mais pungente que o resto da casa e mesmo assim, a combinação dele com o aroma frutado e alcoólico da maioria das bebidas parece potente o suficiente para me fazer entrar.
Não é real, eu sei que não, mas não posso me refrear, apenas sigo em frente e minhas pernas tem vida própria dentro desta fantasia.
Estou vestindo a mesma roupa do jantar da noite passada, o vestido creme tem os respingos do conteúdo da taça que tentei, pateticamente, atirar contra o rosto do meu pai, mas estou descalça e o chão é tão frio, o cômodo subterrâneo é tão gelado que sinto meus ossos sacudirem a medida em que dou passos e observo o ambiente. Ele é maior do que eu imaginava. Além das garrafas dos mais variados tipos e tamanhos, há um espaço vago, com cadeiras negras e uma mesa circular de jogos de azar, um pedaço de las vegas e suas fichas de póquer inserido naquele lugar afastado do mundo.
Vovô sempre gostou de festas e extravagâncias, meu pai herdou seu lado esbanjador no fim das contas, mas não era tão bom anfitrião nos eventos que promovia. Em nossa nova casa, em Roma, sei que há uma sala inteira dedicada a este tipo de entretenimento, há também uma adega muito maior que a escondida no porão de Nápoles, é tão grande que uma família poderia facilmente morar naquele lugar, eu poderia e seria mais feliz do que sou até o momento.
Escuto gritos abafados nos pisos superiores da casa e se ainda me resta dúvidas, agora tenho certeza de que não estou em Roma. É meu pai quem grita, a versão mais nova dele ou aquela que achou de bom tom me estapear depois do incidente da taça de vinho. Eu não sei direito o que tudo isso significa, mas ao fundo também escuto a voz do vovô, rouca e fadigada como estava em seus últimos meses de vida e seu amontoado de células cancerígenas. Estou em um tempo e espaço diverso que aquele em que estive enquanto desperta pela última vez.
Meu subconsciente me transportou para Nápoles e se estou em Nápoles, Jimin também está ali, ele sempre está.
Eu o vejo, porque ele me chama enquanto me distraio tentando decifrar as coisas que papai grita, provavelmente irritado com a Beatrice criança ou talvez seja minha mãe o seu alvo no andar de cima. Não estava ali antes, mas quando volto meu olhar para a mesa de cassino, seu corpo materializou-se como um truque de mágica. Lá está ele: O Jimin adulto, não aquele que conviveu comigo durante a infância, o Jimin que tem atormentado meus sonhos sem perceber e que não pode ser responsabilizado por isso.
Ele sempre está comigo, em quase todas as noites, em diversas facetas, em diferentes cenários, mas nunca é o Jimin de antes, o que eu costumava conhecer tão bem. Sua presença se torna mais nítida a cada dia, antes era quase como um coadjuvante, mas agora está cada vez mais próximo de se tornar o protagonista.
No primeiro sonho era apenas um ponto distante, desfocado, do qual eu não podia me aproximar, um campo de forças sobrenaturais nos separava, mas a medida em que os dias foram passando, a medida em que nossas rotinas no mundo real se misturavam cada vez mais, tornando-se parte de uma coisa única, sua figura se mostrava mais clara e detalhes eram inseridos, como os olhos brilhantes, mesmo em seu rosto congelado e calculado; suas roupas, suas expressões. Não mais desfocado, não mais de costas, algumas vezes sentado, outras em pé, mas sempre ali, me rondando, me vigiando.
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Mi Frantumi
Romance"Enquanto as mãos dele permaneciam sujas do mesmo dinheiro que me enriquecia, eu só rogava aos céus para que continuassem a me tomar como propriedade e me estilhaçar em ínfimas partículas de amor e dor. Eu o amei e não me arrependo." [...] Garoto en...