†
Estar em frente a tantas lentes e olhares atentos, aguardando o momento oportuno para enfiar e trancar em minha boca palavras que não posso dizer, é um pouco assustador, mas não mais aterrorizador do que pensar nesse trabalho como um todo. Estamos nos envolvendo diretamente - ainda que no momento partindo de um ponto seguro às escuras - com pessoas capazes de absolutamente qualquer coisa por dinheiro. No entanto, ali, apesar de temerosa, me sinto no topo do mundo, a frente deles e no controle de informações que até agora foram reservadas a um número limitado de indivíduos.
A notícia da investigação envolvendo as contas não tão secretas do diplomata francês não demorou a circular como viral entre as redes sociais e jornais das emissoras mais conhecidas. Pelo meio em que o sujeito esteve envolvido não foi muito difícil ligar alguns pontos e suposições envolvendo o nome do Primeiro Ministro, entre outros políticos importantes, foram levantadas. Por isso, sentindo o suor do nervosismo por debaixo do terno escuro e ao mesmo tempo dona da verdade que derrubaria tantos homens de uma única vez, contei mentiras e afastei como pude os rumores infundados - na realidade bem piores que qualquer uma das teorias inventadas na internet.
"É cedo e até mesmo precipitado apontar nomes agora, as contas e a origens do dinheiro investido são objeto de investigação ainda sem conclusão, mas sim, provavelmente estamos diante de um esquema organizado de lavagem de capitais". Respondi com franqueza a respeito do alvo principal da operação, embora tenha limpado a barra dos senhores de colarinho banco levando, trazendo e misturando o dinheiro público ao do tráfico de drogas por meio de um ciclo infalível até então.
"O diplomata compareceu a todos os eventos recentes promovidos pelo Premier*, incluindo festas restritas a amigos íntimos". O repórter da RAI News* me corta antes que eu possa finalizar a coletiva de imprensa e informa o que parece ser óbvio, em um tom de superioridade que busca me passar por idiota ou, quem sabe, tenta arrancar o que ele supõe, e corretamente, ser uma ocultação do verdadeiro resultado do nosso trabalho.
Eu estive me preparando para este momento nas últimas semanas, e com todo respeito a categoria, mas jornalistas não são bem-vindos a intervir em ocasiões como aquela. Só atrapalham e disseminam verdades criadas, que se distorcem nos ouvidos da audiência ignorante.
Já é fim de tarde, pela janela do anfiteatro, observo o pôr do sol e a coletiva já estaria encerrada àquela altura, tinha concedido muito mais tempo do que deveria e nem me daria ao trabalho de respondê-lo se não fosse pelo tom desaforado com que encerra a alfinetada, que ele faz parecer ser uma simples sugestão: "Os dois são próximos, disso não existe dúvida, Salvatore deve ser investigado".
Ele.
Deve.
Ser.
Investigado.
Você jura?
Eu devo fazer muitas coisas, como me manter dentro do papel de investigadora alheia a existência da máfia. Minha vida atualmente anda bem cheia de vários deveres, mas na lista deles não se inclui obedecer a um jornalistazinho, enquanto câmeras estão fotografando minha cara de morta viva - devidamente rebocada por uma camada grossa de maquiagem - e seus colegas estão à espera de qualquer pequeno deslize para protagonizar a próxima edição de um programinha diário, com uma chamada sensacionalista, repleta de palavras que nunca cheguei a dizer. Mas não vai ser hoje querido. Not today Satan.
"O diplomata é próximo de muitos políticos influentes, alguns empresários com investimentos em empresas públicas, deputados e senadores, como é possível conferir em suas redes socias se quiser, já que as amizades contam tanto do seu ponto de vista. Não se trata só do Sr. Primeiro Ministro, que aliás é um homem de muitos amigos como é bem previsível inclusive. Mas mesmo se fosse um fato a ser considerado, pode me dizer, por favor, o que de suspeito existe em um diplomata, que vive de manter contados pacíficos de política externa, possuir relações de cordialidade com pessoas públicas?!"
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mi Frantumi
Romance"Enquanto as mãos dele permaneciam sujas do mesmo dinheiro que me enriquecia, eu só rogava aos céus para que continuassem a me tomar como propriedade e me estilhaçar em ínfimas partículas de amor e dor. Eu o amei e não me arrependo." [...] Garoto en...