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Julieta era uma mulher deslumbrante, a mulher mais deslumbrante na vida das pessoas que cercavam a casa, o centro do pequeno universo em que tudo parecia girar em função de suas vontades. Era mais bela que a roseira rupestre, improvável entre as pedras no quintal, e mais geniosa que o mar imprevisível que circundava a ilha. Uma mulher jovial demais para uma fortaleza isolada, que passou muito tempo afastada do mundo para se dar conta de que arrastava parte dele em seus pés na perspectiva de cada ser vivo que viesse a conhecê-la. Ela poderia ter escolhido qualquer um, poderia ter controlado sua própria vida e optado por pertencer a si mesma, mas, por algum motivo, aceitou se casar com Matteo Salvatore.
Das coisas suspeitas e estranhas que observou morando durante aqueles anos em Nápoles, o relacionamento daquele casal, de longe, foi a que mais assustou e entristeceu Jimin depois que se viu obrigado a fazer parte do seio daquela obscura família. De algum jeito aceitava e até mesmo cria na ideia de que o amor deveria ter existido no passado, mas o matrimônio se tornou um foco incontrolável de enfermidades e eram eles os responsáveis pela sensação de incessante insalubridade que tomava a construção de ares medievais, mesmo que por dentro fosse revestida das coisas mais bonitas que seus olhos já tinham visto.
Julieta era sorridente, Matteo andava pelos cantos com os olhos altivos e expressões grosseiras como se precisasse a todo custo provar que era o homem da família, um homem que segundo suas próprias palavras "Jimin nunca seria". Algumas coisas implícitas em sua cabeça problemática faziam de sua masculinidade mais válida, coisas que o estrangeiro em pouco tempo tomaria nota e tentaria simular, mas desde o início a aspereza e discussões do casal inundando as paredes e os ouvidos dos empregados, lhe fizeram refletir que não queria ser nada de verdade se para isso tivesse que gritar com mulheres na frente de crianças, se isso significasse traumatizar Beatrice com atitudes violentas. Não queria ter que provar nada, preferia ser apenas o que era, o Jimin deslocado e solitário, até que tivesse autonomia para tentar viver de algum outro jeito, um jeito que optasse por conta própria e bem longe dali.
Não queria acabar como Matteo, embrutecido, ou como Andrei Scano, de quem todos desdenhavam na escola pela falta do aspecto masculino e tóxico que parecia constituir todos os homens daquele lugar.
Talvez tenha sido essa a razão pela qual Jimin permitiu que mais alguém, além dos habitantes do casarão, lhe dirigisse a palavra: A pena. Sentiu pena ao se reconhecer dentro dos problemas de Andrei, assim como sempre sentiu compaixão por Beatrice envolvida na trama do amor fracassado de seus pais. Andrei caminhava encolhido pelos lugares, o fantasma de alguém ainda vivo; estava tão ou mais ferrado que ele ali, tão ou mais subjugado do que se sentia, e como Jimin, era alguém que também não entendia de que modo Julieta Salvatore era capaz de sorrir estando presa a pessoas violentas, de modos indigestos e entonações egocêntricas.
Andrei não era ninguém naquele lugar, embora estivesse presente em todas as festas, em cada evento, porque pertencia a família de um dos sócios da pequena vinícola que o velho Jimitri Salvatore mantinha nas terras conexas que abarcavam a ilha, ou pelo menos foi essa a primeira versão que lhe contaram. Não era relevante o suficiente para ser nomeado e apresentado, mas estava lá, um dos rostos inominados e também na escola em que Jimin foi matriculado, mesmo que ainda se sentisse incapaz de compreender metade dos conteúdos ministrados. Nele e em sua invisibilidade encontrou um ponto de equilíbrio. Pensar em Andrei e permitir que se sentasse casualmente ao seu lado durante uma aula de filosofia, não dando ouvidos aos cochichos que se espalhariam depois disso pelos corredores, não se importando que o jovem menosprezado passasse a segui-lo pelos cantos, o fez sentir-se menos sozinho. Finalmente tinha encontrado algo que se assemelhasse a um amigo.
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Mi Frantumi
Romance"Enquanto as mãos dele permaneciam sujas do mesmo dinheiro que me enriquecia, eu só rogava aos céus para que continuassem a me tomar como propriedade e me estilhaçar em ínfimas partículas de amor e dor. Eu o amei e não me arrependo." [...] Garoto en...