seu perfume: lúxuria

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Não reconheço mais meu país quando a ele retorno. Não sei se algum dia cheguei de fato a conhecê-lo. Meu refúgio paradisíaco em Nápoles era apenas um recorte bonito e convenientemente maquiado pelos meus pais. Só conheci o que eles permitiram que eu conhecesse, só experimentei do que me deram para provar. Como recipiente vazio, eu me enchi de mentiras encobertas até ser levada para fora do meu confortável porto seguro, que só depois, me dei conta, se tratar de um cativeiro.

A vida longe de uma casa exuberante e empregados obedecendo as minhas vontades foi mais difícil do que eu poderia prever, mas, mesmo assim, sinto que devo a consciência que tenho hoje a estes anos em que fui obrigada a viver longe do meu pai e da referência estranha que tinha de lar. Isso soa como uma menina rica se queixando de uma vida boa? Pois é isso que sou, hoje mais do que em qualquer outro dia, é só isso que sou. Desembarco de um voô de primeira classe, passo pela imigração sem grande esforço, sou uma jovem, de boa aparência vestindo roupas evidentemente caras, poderia sacar uma arma e sinto que ainda estaria acima de qualquer suspeita. Do lado de fora do aeroporto há seguranças me esperando e um carro luxuoso me aguarda. Pelo caminho sou fotografada como se fosse uma celebridade. Claramente eu não deveria estar me queixando da vida.

Lá fora, contudo, meu sobrenome pouca coisa importava. Nenhuma colega de sala sabia que eu era neta e filha de grandes homens com cargos políticos na Itália, fui rapidamente desacreditada. Se soubessem talvez tivessem mantido comigo algum tipo de amizade para chamar de "sincera" nos últimos anos. Mas aqui meu sobrenome me renderá matérias inteiras, fotos estampadas em revistas e por conta dele fui obrigada a regressar.

Papai nunca se deu ao trabalho de escrever ou responder uma carta, ou entrar em contato até aquele fatídico telefonema pela madrugada. Eu sabia, porque tinham me contado que assumiria o cargo antes ocupado pelo meu avô, porém não fazia ideia de que pessoas se importariam com o paradeiro da filha única do futuro primeiro ministro.

Eles queriam saber que fim eu tinha levado, porque diabos Beatrice Salvatore havia desaparecido da Itália após a morte da mãe, porque não voltava nunca, nem para Páscoa ou para o Natal e mais importante, porquê seu pai parecia não se importar com ela.

Se as pessoas soubessem que eu mesma não sabia as respostas, não perderiam tanto tempo investigando a vida de Matteo Salvatore. Talvez ele me odiasse tanto que não suportaria uma convivência permanente, então me despachou como se eu fosse uma mala de viagem, para o meu "próprio bem", para o bem da "minha educação".

No entanto, agora já em idade para dar início a faculdade, meu próprio bem, ao que tudo indica, deixou de ser sua prioridade. Sua carreira importava, foi a primeira coisa que me disse, a primeira coisa em aproximadamente sete anos de distância. Nenhum pedido de desculpas por ter me esquecido, por nunca ter escrito. Sem eu te amo ou senti sua falta. Apenas exigências de que eu voltasse para casa, não meu castelo ilusório em Nápoles, uma casa, a sua casa; de que eu enfrentasse um curso que não me agradava porque isso o beneficiaria. Exigiu que eu seguisse suas ordens.

Como uma boa menina, eu obedeci, porque não sabia o que seria capaz de fazer caso negasse. Se eu fugisse, sabia que daria um jeito de me fazer voltar. Papai sempre foi firme em suas decisões e no fundo, mesmo que com percepções todas erradas, eu sentia falta de ter uma casa, de ter estabilidade e uma vida normal, que não se resumisse a estadias em internatos, mesmo em época de férias.

Sentia falta de Jimin.

Provavelmente era ele a única coisa que me fazia pensar que não estava retornando para o inferno. Queria que as coisas voltassem a ser como antes, ainda que minha última versão do antes fosse uma criança mimada e egoísta de 12 anos de idade. Às vezes ainda me pego agindo como se todas as coisas do mundo fossem minhas, ainda desejo isso, que tudo gire em torno do meu sofrimento, ainda desejo coisas e pessoas que não posso ter. Mas estou em um processo de amadurecimento, por conta própria, já que não tive pais que me educassem e internato de elite algum pôde completar esta lacuna na minha falha educação.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora