carrasco: ame-a antes do inverno chegar

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23h00

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Faça parecer um suicídio.

Faça parecer que, atormentado, ele decidiu abrir mão de sua própria vida, uma dádiva divina, dando causa ao maior dos pecados que um integrante do Clero poderia cometer. Era o preço a ser pago por ele pela traição de outra pessoa e pela coragem de ter ido atrás da polícia, subestimando a inteligência da Máfia. Ou foi essa a verdade que Matteo me enfiou goela a baixo, assim como a maioria de sua insensatez, orquestrada do alto e repassada degrau a degrau a seus subordinados. Sinceramente, na minha opinião, aquilo não passava de um grande mal-entendido, desde a primeira pessoa morta, do traficante estripado por Jean e agora o bispo prestes a se tornar um "suicida". Uma clara falta de comunicação que custava vidas.

O primeiro Bispo morto, executado na noite anterior a volta de Beatrice, tinha relação com os processos licitatórios de compra de antigos territórios pertencentes ao Vaticano. Naquela época suspeitávamos de que havia descumprido com parte importante de um acordo firmado com a Cosa Sacra há muito tempo. Os anos iam passando e, aos poucos, pequenas ou grandes propriedades transmitiam-se, de mão em mão, a diferentes empreendedores dispostos a lucrar em contratos de arrendamento ou, de fato, a pessoas cuja a ambição visava a obtenção do título de proprietário. Mas em qualquer dos casos, em toda e qualquer licitação realizada, os monsenhores, bispos, ou seja lá que pessoa da pirâmide eclesiástica fizesse parte da comissão licitatória, teria em mãos uma lista preestabelecida dos habilitados repleta de nomes ligados à Máfia, dentre os quais, ao final do processo, um aliado sairia vitorioso.

Era o meio de manter o controle das rotas do tráfico, de marcar o território como nosso, sem necessariamente comprá-los de forma direta. Em Terras da Cosa Sacra, ou supervisionadas por ela, nenhuma outra facção, ou pequeno subgrupo de criminosos, teria a coragem de tentar dizer o contrário. Foi assim por anos, um domínio fácil de se manter e igualmente fácil de se expandir, porque o Vaticano sempre foi e sempre seria detentor de muitas propriedades, e, ora ou outra, estaria aberto a conceder a exploração de Terras inutilizadas a alguém, por sua vez, disposto a ampliar ou estabelecer um novo negócio. Uma estratégia simples, muito bem aplicada desde a época de Jimitri e que nunca tinha falhado até então.

Quando o primeiro traficante deixou de repassar o dinheiro devido, pelos serviços desempenhados em territórios marcados como de posse da cruz negra, Matteo achou que fosse um caso isolado e, de fato, estava certo. Foram cerca de três ou quatro deles, todos localizados na região portuária, próxima a Ostia*, uma das mais violentas. Provavelmente, marinheiros de primeira viagem, traficantes vindos de outros cantos do país ou imigrantes que não sabiam nada a respeito do pagamento de taxas aos devidos "donos" do local, impostas como encargo para venda livre de suas "mercadorias". Mas Salvatore projetou o pior cenário possível e, ao invés de investigar mais a fundo o que se passava entre os criminosos desses bairros próximos ao Mar Tirreno, quis tirar satisfação com o Bispo corrupto, suspeitando que estivesse, aos poucos, cedendo territórios a pessoas não ligadas a Cosa Sacra, pessoas dispostas a pagar "agrados" mais vantajosos do que os concedidos pela máfia.

O encontrei uma única vez antes de matá-lo e tive com ele uma conversa até polida, diria, nada de armas, nada de passeios em carros escuros por lugares desertos. Apenas estive em sua casa, nos arredores da entrada do Vaticano, e perguntei se havia alguma coisa que gostaria de contar a respeito dos traficantes infiéis, se havia ocorrido qualquer mudança na comissão das licitações da Santa Sé e se poderia me fornecer uma lista dos atuais proprietários e possuidores de alguns territórios específicos, os territórios de Ostia, nada além disso.

Mi FrantumiOnde histórias criam vida. Descubra agora