Capítulo 46

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1 semana depois




O cheiro de vômito domina meu cérebro, visto que já esbarrei na sujeira que fiz algumas vezes. O teto gira, meu corpo boia e sinto minha consciência esvair-se a cada dia que passa, deixando-me entre a madeira gelada e teto úmido, que solta uma gota de minuto em minuto. O mofo das paredes agora invade minha pele, tornando-a verde, grudenta e fedida, sugando aos poucos minha essência, minha luz.
Não sou mais a Emma, não sou mais um alguém, uma vela acesa. Tornei-me parte desse quarto abafado, um móvel sujo e velho, pronto para ser descartado, queimado na fogueira.

Tusso e mais uma onde de enjoo me abate, então vomito o resto de líquido e gordura que tinha no meu corpo, vomito nada e tudo ao mesmo tempo. Coloco para fora minha esperança, a vontade de sair daqui, de resistir.

Vomito meu sobrenome.

Meu loiro mistura-se com a meleca facilmente, criando uma paleta de verde amarelado não digna de ir à um quadro.

- Jesus, você está cada vez pior. - a voz de Cora assusta-me, porém não mexo um músculo sequer e apenas levanto o olhar com dificuldade. Estava tão presa na minha dor que todos os outros barulhos ficaram mudos. Minha bochecha pressiona o chão revestido de farpas e não tenho força alguma para preocupar-me com isso.
Vejo-a sentar-se na cadeira na minha frente, cruzando os braços e mexendo o pé constantemente:

- Emma, pensei bastante se devia ou não falar com você sobre isso, mas acho que não tenho outra escolha. - declara com seriedade, mas sem resquício de tédio ou impaciência. Parecia mais preocupada dessa vez. Forço minhas pálpebras a ficarem meio abertas. Ela bufa e esfrega os dedos nos olhos. - Isso não vai ser fácil. - e, após alguns segundos quieta, a mulher solta: - Senhorita Swan... Uma mãe sempre reconhece outra. - diz e encara-me, fazendo um arrepio correr pela minha espinha. Sinto uma pontada em meus estômago e outra em meu peito. 




Eu serei mãe... de novo? 




- O-O que? - digo com a voz falha e baixa, temendo que a ardência em minhas cordas vocais alastrassem-se pela cabeça. Cora endireita a postura, pigarreia e olha para o horizonte, aparentemente odiando esse momento: 

- Percebemos seu mal-estar. Obviamente você estaria mofando aqui, com uma gripe e eventuais enjoos, mas você vomita mais de dez vezes por dia. Suja o chão pelo menos duas vezes num intervalo de cinco horas... Foi mais longe do que esperávamos. - ela suspira. - Vimos também que perdeu os nutrientes rápido demais, além de que sua barriga está um pouco mais proeminente que o normal. - passo a mão pelo meu ventre e noto sua observação. - Você está grávida, Emma, e não posso deixar que fique aqui nessas condições. - de repente, a esperança se reacende em meu corpo, permitindo-me até abrir os olhos um pouco mais. 

- V-Vai me... soltar? - pergunto com dificuldade, porém mais feliz que esse pesadelo acabará de uma vez por todas. Cora respira fundo e sai da cadeira, andando até a porta e dizendo, simplesmente: 

- Não, Senhorita Swan. Irei matá-la, hoje mesmo. Não aguento ver uma mãe sofrer com um filho na barriga. - o ar parece desaparecer de meus pulmões e, por mais que eu tente puxá-lo de volta, não obtenho sucesso. Minhas pálpebras tornam-se ainda mais pesadas pelas novas lágrimas que estão surgindo:

- Não... Não, por favor, não faça isso. - imploro, arrastando meu corpo pelo chão. Ela mexe a cabeça e fecha suas orbes: 

- Não implore, é uma imagem deplorável. É a minha única opção, Emma. Não posso deixá-la livre, vai continuar arruinando a vida da minha filha e de meu netinho. Quem sabe até destruir outros casamentos! Mas a ideia de matar essa criança aos poucos também não me agrada, por isso preciso acabar com sua dor o mais rápido e usar o único remédio que funcionará: cortar o mal pela raiz. - meu rosto se retorce de agonia e tristeza. Mais enjoo. - Despeça-se do mundo e faça suas preces, estarei aqui de volta em três horas. - diz e sai, fechando a passagem de madeira com força. 

Viro o corpo e as minhas costas encontram o chão gelado num baque pequeno, mas que senti até meu último órgão. Aperto o olhos e as gotas caem de imediato, lavando meu cabelo sujo de vômito e minha alma dolorida. Flashes pintam-se na minha mente, de todos os momentos que já vivi, bons e ruins. Cheiros, lugares, memórias, sensações, percepções, sentimentos, comidas, sons, céus, cores, texturas, abraços, risadas, choros, brigas, dor. Dor. A dor de perder um amor, de encontrar outro amor, de amar quem não pode ser amado por você. Amor. O amor em receber uma flor, um sorriso sincero, o amor em ser importante para alguém. Ser. Ser e viver, existir, sentir, estar presente. Ser um ser mutante e ter consciência disso. Ser parte de um todo. 

De repente, a vontade de ter aproveitado tudo um pouco mais me invade. 

De ter aproveitado aquele último beijo, último abraço, aquele sol acolhedor, aquele chocolate quente. A vontade de ter esperado mais alguns segundos para levantar da cama, de ter respeitado mais meu corpo, meu ser. De ter me amado mais, de ter dito mais "eu te amo", de ter lutado mais, por mim. 

A imagem do meu pequeno Henry aparece e, num piscar de olhos, tudo é sobre ele. Encolho meu corpo na madeira ao lembrar de seu abraço quente, seus beijos molhados e olhos brilhantes, cheios de luz e esperança para um amanhã. Amaldiçoo-me por não ter ficado acordada naquela maldita carruagem, de não ter afagado sua bochechas rosas uma última vez, de não ter deixado um carinho esquimó em seu nariz antes de ir. Antes de morrer. Sinto dor ao pensar em meu filho sofrendo com minha partida, em suas pequenas mãozinhas apertando os ombros de Killian com força. 

Killian. 

Lutamos tanto, e para nada. 

Seus olhos azuis contornam meu cérebro perturbado, trazendo um pouco de paz nesse caos. Agarro meus joelhos e desejo estar em seus braços casa, sendo acariciada no cabelo e enchida de beijos, como ele costumava fazer. Costumava. Beijava. Amava. Queria. Sorria. Trazia. Abraçava. Tocava. 

É muito difícil falar coisas do presente no passado, é como um processo até você entender que, o que é, não será mais em breve. Que a nossa noção de tempo é muito distorcida, já que sempre achamos que teremos o futuro. Teremos tempo para dizer, demonstrar, correr atrás e, quando vemos, o ponteiro do relógio já deu uma volta inteira. 

- M-Me perdoe, pequenin-no... - falo baixinho, acariciando minha barriga. Sinto vontade de gritar minha dor e desespero, de berrar para todos ouvirem que eu ainda estou aqui, porém que não estarei mais daqui a algumas horas. - Gostaria de poder ser forte por você, por nós dois. 






Mos, acreditem, foi tão difícil para mim escrever esse capítulo quanto para vocês lerem. Chorei e tudo. 

Bom, mas como vão vocês? Bem? 

Eu sei que ta difícil, mas aguentem mais um pouquinho, porque já estamos entrando na reta final da história. 

Não se esqueçam que a titia Lu ama muito todes, ta? 

Obrigada pelos 2K! Vocês são demais! 

Besos e até semana que vem :) 

Destino InfelizOnde histórias criam vida. Descubra agora